terça-feira, 23 de outubro de 2007

O Relato

Péssimo dia, péssimo humor, geram texto sádico...

Até


--- O Relato ---

Vira seu corpo estirado ao chão, olhos revirados, mostrando aquela parte branca, brilhante, sem fim, o sangue escorria-lhe a face, molhava sua blusa branca, agora vermelha, jeans rasgada, sangue nos joelhos, era aquela massa avermelhada em tudo.

O carro, pouco amassado, mesmo com o choque violento, o vidro do lado do motorista estava trincado, não quebrado, o motorista ainda estava são, seu supercílio direito cortado pelo volante, pela batida, não chorava, não gritava, não demonstrava nada, estava em choque, uma corrida, só uma corrida, devia ter prestado mais atenção no trajeto, estava um pouco embriagado, mas quem não, uma vez pelo menos, dirigia bêbado? Não imaginada que uma criança pudesse estar brincando de bola na rua, eram sete e meia da noite já!

A criança, por sua vez, chorava, esperneava, desesperada, segurando uma bola roxa e vazia em suas mãos, apertava-a tão forte que, se a bola já não estivesse neste estado, ia ficar a pouco. Sua mãe a abraçava, tentava a tirar da cena, mas não adiantava, a criança de cabelos cacheados e loiros não se movia, parecia ter grudado no asfalto.

O barulho de ambulância estava se aproximando, logo, logo não pararia no ponto certo e ia passar o grande carro por cima do corpo já apodrecendo. Parou na hora exata, dentro do carro dois homens grandes e fortes saíram, trajados de branco, correndo em direção ao corpo, como era de costume puseram o indicador e o dedo do meio no pescoço do falecido, era obvio que não estava mais vivo, mas era o costume.

Um dos homens trajados de branco, o mais alto e o mais forte, fora verificar o motorista assassino, olhou seu supercílio e o acompanhou até a ambulância, esta que ainda fazia o barulho repetitivo, fazendo acordar toda a vizinhança para ver o sucedido, todos que apareciam as portas, punham as mãos nas bocas e gemiam um som de espanto, mas ao invés de se retirarem e voltarem para seus leitos, continuavam observando e gemendo, se aproximavam pouco a pouco do corpo estatelado ao chão, chamavam os outros para ver tal cena, não se importando em incomodar a alma do morto ou os enfermeiros lá presentes.

A história contada pelo sujeito do carro era uma, a da menininha era outra. Para se proteger o motorista infrator alegou que o falecido havia pulado em direção ao seu carro, não dando o tempo necessário para frear, mal sabia ele que desta não sairia ileso, pois o bafômetro alegaria que ele estava embriagado quando atropelou a pobre alma.

Logo a criança, que mal conseguia falar, alegou que, enquanto brincava com sua bola na rua, o homem ia passando, sorrindo ao vê-la se divertir, quando escutou o barulho de um carro indo em velocidade alta se aproximando, largou a bola. Para salvar a vida da pobre criança, o sujeito que mal a conhecia, pulara em direção ao carro, para conseguir empurrar a garota para a calçada. Para mostrar a verdade em seu relato, mostrou seus arranhões ao sair rolando na calçada, e a onde exatamente havia caído.

Esses relatos foram passados para os policiais, que logo após apareceram com suas sirenes barulhentas, o motorista, espantado, deu-se a correr, inutilmente, sendo preso bem na frente nos olhos cheios de lágrimas da pobre garota, o corpo fora coberto por um plástico preto, levado até a ambulância.

Essas recordações, era certo, nunca mais sairiam a mente da criança, isso era que a mente de sua mãe lhe dizia, imaginando o trauma que a sua pobre filha havia passado naquela noite. Dito e feito, a criança nunca mais saíra para brincar na rua, nunca mais se comunicava alegremente com os amigos da vizinhança, pois seus olhos só enxergavam um corpo, de um homem bondoso, estatelado no chão, olhava friamente pela janela de seu quarto, o local exato do ocorrido, voltava para seu quarto, prendia-se em livros sombrios e em papéis em branco, onde pintava com um giz de cera vermelho somente o sangue.

Um comentário:

Sacaninha disse...

Mais e mais suas palavras se tornam aveludadas. Como eu já comentara, seu jeito corrido e tranquilo de escrever, sem muitas delongas ou descrições complexas, são de prazerosa leitura. Meus parabéns! (ps.: é um comentário que vale para todos os outros, acabei de ler seu blog todo)