quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Livro aberto

Essa história de Halloween brasileiro não existe, é simplesmente americanismo. Mas às vezes parece que a bruxaria acontece além dos filmes do Freddy Krueger que vimos à meia noite no SBT. Dia 31 de Outubro de 2009 significou muito mais para mim do que qualquer outro dia das bruxas. Foi o dia exato que descobri pela minha mãe que tinha contraído HPV. Lembro ainda que era um sábado e eu estava me preparando para sair com meu namorado da época para ver umas apresentações especiais de dia das bruxas na Casa das Rosas.

Por pouco não desisti dessa ideia, só não desisti porque minha própria mãe disse que não tinha mais motivo para se desesperar, o problema já tinha sido feito e não adiantava nada ficar se lamentando em casa sozinha.

HPV é o tipo de doença sexualmente transmissível que dá susto. O nome lembra muito o temido HIV e sempre que você conta para alguém que tem HPV, a pessoa em questão dá um pulo pra trás pensando que logo mais vai pegar só por respirar o mesmo ar que você. Confesso que quando minha mãe disse “você tem HPV” eu na hora escutei “HIV” e quase desmaiei na frente dela.

HPV é bem mais simples, mas também não tem cura total. É o tipo de doença que você vai ter que lembrar pro resto da vida, qualquer gripe mais forte, qualquer coisa que faça sua imunidade baixar, pronto. Lá está ela de novo te tirando dois meses para tratamento. HPV também não é por sangue, por isso que, depois de muito tempo pra me acostumar com o fato, não tenho dificuldade nenhuma de falar que tenho. É contato e, é claro, só se contrai caso faça sexo sem camisinha.

Agora o que fez uma mulher como eu, de classe média alta, estudante de jornalismo, estagiária, com boa educação, transar sem camisinha? Eu fico pensando nisso até hoje e não consigo arranjar uma explicação boa o suficiente. O que posso falar é que quando contrai HPV, tinha somente 16 anos de idade, com meu segundo namorado e foi a primeira vez que não tomei cuidado com essas coisas.

E ai que você pensa que uma vez sendo descuidada pode ferrar muito mais do que você pensa. Eu sei que agora vocês estão fazendo as contas, disse que contrai com 16 anos, mas só descobri com 19. A HPV pode ficar lá na dela durante anos sem aparecer em nenhum exame e quando você fica com resistência baixa, anos depois, ela decide aparecer.

A primeira coisa que fiz quando descobri a doença foi ligar para meu recente namorado, ele veio correndo pra minha casa, afinal eu estava chorando sem parar não sabendo como seriam as coisas a partir daí. Ainda não tinha tido nenhuma relação sexual com ele e, sinceramente, estava ansiosa pra isso e agora só conseguia pensar naquela frase de bêbado envolvendo com o lado sexual: “nunca mais transo”. Depois ele me perguntou se queria que ele ligasse para meu ex-namorado para avisar sobre a doença.

Não, isso era algo que eu queria fazer. Liguei e expliquei tudo, não tinha motivo para culpá-lo, como todos meus amigos queriam que eu fizesse, afinal a decisão de fazer sexo sem responsabilidade não foi só de um de nós, foi de ambos. Se eu não quisesse na época, simplesmente tinha parado e falado pra fazermos em outro dia, quando tivéssemos proteção.
Na outra semana eu já estava com a minha ginecologista resolvendo esse problema. Tive sorte de descobrir logo, a HPV ainda estava no começo e o tratamento não seria tão complexo. Ela até chegou a me perguntar se eu queria esperar para ver se ela se curava sozinha, mas ai era o risco de ela ficar mais grave e se tornar em um câncer. Descobri também que 70% das mulheres sexualmente ativas contraem HPV, mas claro que isso não me deixou nada contente, preferia ser muito mais os 30% que não tem.

Sobre o tratamento? Era um pouco longo. Eu ia lá uma semana, ficava naquela posição desagradável, ela colocava ácido onde tinha as verrugas da HPV, no meu caso no colo do útero, por isso não doía nada, depois ela colocava uma pomada para cicatrizar, ficava uma semana passando-a e uma semana deixando a pomada sair de vez do meu corpo. Depois eu voltava lá e fazia a mesma coisa. Isso durou 2 meses, lembro que minha última consulta foi duas semanas antes do fim do ano.

Sobre as consequências da HPV, ela me ajudou um pouco. No começo eu tinha perdido totalmente a libido, para a infelicidade do meu namorado na época, não tinha vontade de fazer nada enquanto ainda estivesse em tratamento. E nem podia. Pelo menos eu tinha essa desculpa para dar a ele.

Mas ela realmente me ajudou, fiquei paranoica sobre sexo e por isso, hoje em dia, você pode encontrar uma camisinha em cada bolsa minha. Na que está aqui do lado não tem só uma, tem umas três. E também notei que eu podia me libertar um pouco de algumas amarras da sociedade. Hoje em dia não tenho mais vergonha de falar do que eu tenho, tanto que estou me expondo aqui para contar essa história. Hoje em dia minha libido voltou e eu me sinto livre para fazer qualquer coisa, só que com uma responsabilidade bem maior. A responsabilidade de uma mulher de classe média alta, estudante de jornalismo, estagiária, com boa educação.

O mais irônico é que no dia 31 de Outubro desse ano peguei meus exames para ver a quantas estava a HPV. Bom, ela está na dela, quietinha e se depender de mim, ela não volta tão cedo.