quinta-feira, 31 de março de 2011

O fim da bituca

A fumaça se misturava em minha boca e eu a mastigava com um certo ódio, sentia entrando em minhas narinas e soltava aos poucos, como se estivesse apreciando cada momento de gás carbônico em meu corpo. Suspirei soltando o resto de fumaça que ainda restava em meu pulmão manchado de bitucas apagas. Olhava o caminho que me levava para o conforto de minha casa e via aqueles paralelepípedos passando rapidamente, rachaduras que eu decidia pular com medo do azar. Azar do que? Todo o azar já estava lá, naquele fim de semana acabado que gostaria de poder esquecer.

Dois dias são suficientes para tudo mudar em uma vida, todas as decisões já certas parecerem incertas. Tive muita confusão para somente um começo de ano e enquanto caminhava para casa com aquele cigarro inquieto em meus dedos, comecei a tomar uma decisão. Era o terceiro cigarro e eu ainda estava no começo daquela manhã. Quando o joguei para os paralelepípedos e pisei para apagá-lo, pensei. Bom, já penso a todo momento, mas dessa vez pensei na bituca apagada e suspirei - "Chegou o momento", disse a mim mesma.

Meus passos voltaram a sua velocidade normal, olhava novamente os paralelepipedos em meu caminho e quando parei na esquina entre minha casa e a farmácia, olhei meu relógio de ponteiros agitados. 12:00 exatas, devia estar em casa a essa hora, devia estar almoçando, tinha que ajeitar tudo para aquele dia, tinha trabalho para fazer, meu cinzeiro para lotar de bitucas laranjas mal apagadas, xícaras de café preto sem açúcar para serem tomadas. O dia estava naquele nublado incômodo e eu estava com tanto mau humor que não tinha me vestido direito naquela manhã. Coloquei somente uma calça jeans rasgada de tantos anos de uso, havaianas que já tinham arrebentado as alças mês passado e um casaco marrom e largo. Precisava me vestir decentemente. Ignorei minhas suplicas covardes para fugir daquela decisão.

Fui a farmácia e diretamente a bancada de remédios. “Qual método melhor para parar?”. Eram diversos métodos, dos mais baratos aos mais caros. O mais barato, por favor. Peguei aqueles chicletes e suspirei “vai ter que servir”. Voltei para casa e dei meu maço fora, guardei minha coleção de Zippos, escondi meu Bic reserva, enfiei no fundo da gaveta tudo que me lembrasse cigarro. Voltaria para casa surtada. Ficaria um mês surtada.

Suportaria. O ódio por vezes tentava me dominar, me fazia chorar e me trazia uma vontade absurda de destruir alguém. Olhava a pessoa e imaginava meus dedos se torcendo, fechando-se em punho e o rosto dele se encaixando perfeitamente com a minha mão em alta velocidade. Por sorte parava  no momento que eu sentia a ardência do chiclete de nicotina em minha garganta. Mastigava com tamanha força que ao final de cada dia, não conseguia nem ao menos jantar, minha mandíbula parecia que tinha se tornado pó. Era um choque todas as vezes que fechada minha boca, selava meus lábios. O chiclete era duro no começo, o que me obrigava a mastigá-lo somente com os molares, sentia a sensação estranha, como se fosse uma secura na garganta, fechando meus canais respiratórios e depois os ampliando. A princípio eu tinha odiado, logo no terceiro dia, viver sem esta sensação era quase impossível. E no final da primeira semana, viver sem ele já tinha se tornado cada vez mais possível. E nesta segunda semana, tinha me esquecido que ele ainda existia. Parou. Não surto. Respiro.

terça-feira, 15 de março de 2011

Curto-circuito

Estou há uma hora olhando o mesmo ponto. Fixo. Nem pisco. Há uma hora tive um ataque de raiva. Acabei socando a parede que era oca. Ficou um buraco lá e os restos da parede no meu punho. Estou há uma hora olhando esse buraco. Fundo. Não sinto mais minha mão, só sinto algo quente escorrendo por ela e sujando meu sapato. Sangue. Fica lá pingando no sapato, pingando no chão. Respinga na calça. Devia tentar mexer meu corpo, mas ele não responde mais. Parado. Talvez eu esteja paralisado, ou quem sabe minha mente entrou em curto-circuito. Maluco. Enlouqueci, acho que foi esse excesso de informação jogada. Todos esses sentimentos dentro de mim. Canalizei. Tudo se transformou em uma explosão de raiva. Tentei mudar o olhar. O fixo. Olhar pra minha mão. Forcei meu cérebro a agir. Droga. Não vai. Não quer. Não pode. Vou ficar mais uma hora olhando o mesmo ponto. Buraco. Fundo. Fixo.