sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Deixe-me lhe abraçar por essa noite
E por todas as outras
Pelas estações que passam arrastando
E pelo verão. Que o calor suma ao anoitecer
Deixe-me ser seu único aquecimento
Para que cubra meus braços em seus seios
E que o único arrepio que sinta
seja de prazer

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Preta, Mulata, Camaleoa


Beija-me, preta.
Seus lábios carnudos devoram minha alma.
Toca-me, mulata.
Deixe suas coxas enlaçarem meu corpo.
Quero contornar cada traço
Passar meus lábios em cada curva
Observar os detalhes de suas marcas.
Deixe-me que te devore.
Enfeitiça-me, sedutora.
Transforme meu corpo em escravo
Minha mente em farrapos.
“Rapte-me camaleoa”.
Sacie minha vontade e meu desejo
E eu desejo que a vontade nunca acabe.
Devora-me esfinge.
Sem resposta além do corpo,
Sem contato além da carne.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Sem rimas


O tempo que passa pára
Parou para olhar e perdeu a hora
Olhou o mendigo deitado ao chão.
Sua mão se estendia a cada moça que passava.
O tempo pra ele não tem fim
Só tem fim quando as moedas chegam
Se pode pagar o almoço ou a janta
O tempo pára e recomeça
Recomeça se a barriga ronca.
O tempo não tem mais fim
Mas tem validade.
Quanto tempo resta,
Até que as moedas dessas senhoras
Finalmente paguem uma refeição?

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Bicho


O bicho mordida tudo que via
Farejava por carne e cravava seus dentes
Rosnava e corria
Corria só por correr
E rosnava só por não saber

O bicho não estava faminto
Mas estava vazio.
Fazia tempo que perambulava por’quelas terras
Nada havia ali além de carnes podres
Carnes vivas, mas não suas carnes.
Rosnava novamente, pulava o morro
Lambia suas poucas feridas
Sentia o gosto da doença.

O bicho deitava na grama
Já estava exausto e nada acontecia.
Barriga cheia e dentes podres
Suas gengivas sangravam e o bicho olhava.
Olhava o tempo passar,
Tempo sorrateiro que rastejava minutos.
O sol lhe ardia os pêlos
O bicho queria água.

Rosnou e ela não apareceu
Mordeu a terra e nenhuma gota surgiu.
O bicho andou com suas patas moles
Afundavam na grama seca.
Olhou em direção de algo, só via carne podre.
Carne fraca que não tinha líquido além do sangue
E o sangue não lhe sustentava.

O bicho deixou-se cair.
Rolou na grama e olhou o céu
O céu era claro, queimava seus olhos
O bicho rosnava para o sol
Mas o sol não o temia
O sol nem ao menos o conhecia
Não sabia de sua dor interna
E não se importava com isso.
O sol tinha tempo pra ficar
O tempo não queria deixá-lo passar.

O bicho mordeu a grama seca
Mordeu a terra e chupou o sangue das carnes podres.
Lambeu a água de seu corpo.
Perdeu as forças para se levantar.
O bicho virou carne podre
Mordida pelo bicho que rosnava em busca de nada.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Droga


Qual é a droga que se toma
para chegar ao fim
Que droga sela os lábios
e acalma o coração
Qual é a droga que impede
a confusão
Que droga é esta capaz de dar ânimo
ao pacato entediado
e paz ao estressado cansado
O amor não é sustento - arroz e feijão
faz barriga roncar de fome - gruda
Não há calor nos pulsos e nas borboletas
A palavra escorre, se esparrama
derrete sua tinta pelo piso
E qual é a droga que faz
o rosto voltar ao riso
Que droga cora essas maçãs pálidas
Diz, qual droga?

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Taita


A cada frase que escrevo, apago.
Há um buraco em algum lugar,
entre meu peito, meus pulmões
chega até meu cérebro e para.

Eu paro. Encaro o nada, olho.
Fecho os olhos e a vejo,
abro-os novamente, pois não quero.

Hoje escrevi algumas palavras
apagava cada frase e não chegava a nada.
Demorei horas para escrever que a amava.

Fico aqui trabalhando minha mente,
imaginando se um dia ela escutará minhas palavras.
O homem é frágil, mais frágil que imagina ser.
Ele luta para viver, mal sabendo que se prepara para morrer.

E quando a dor aparece,
a saudade invade todos os sentidos, todos os órgãos.
Você simplesmente perde o chão.

Não importa quantos falem palavras carinhosas,
O certo é que só o som daquela voz lhe faria parar de sofrer.
Preencheria o buraco entre o peito, pulmões e cérebro.
E você, por fim, dormiria sem medo de acordar em um pesadelo
onde ela não exista.

terça-feira, 10 de julho de 2012

12/12/2011 - Incompleto


Respire. E definitivamente, não olhe.

Não sei exatamente quando começou este medo incontrolável e irracional. A altura nunca havia sido um problema até pouco tempo atrás. Lembro-me perfeitamente dos pulos que dava quando jovem, de enfrentar o chão sem me preocupar com o amanhã, de subir nos picos mais altos e me sentir feliz por isso. 

Creio em um medo social. Uma teoria pouco trabalhada que resolvi investir, o medo social é como se entrássemos em uma sala lotada de pessoas de todos os tipos que gritam sem parar, sem descanso. Você, mesmo sem entender o motivo, decide gritar e a partir daí, qualquer situação que remeta àquele dia lhe causa espanto e lhe provoca gritos. 

Penso nisso porque ter medo não faz sentido. Quando pequenos não tememos as quedas, as perdas, não vemos maldade em uma barata, ou na distância que estamos do chão, a verdade é que se tivéssemos algum medo naquela época, não teríamos dado nossos primeiros passos. Temeríamos a derrota, temeríamos cair. Não comeríamos, nem sairíamos de nossos berços, não nos permitiríamos aprender, nem nos desafiar. 

O fato é que o medo tornou-se alimento d'alma. O risco é banalidade levada a sério. Ditadores bebem o medo em seus cafés, desfrutam da situação de descontrole social. Isso é ridículo. E se não enfrentamos os medos? Significaria então que estaríamos estagnados em uma situação cotidiana e alienada? Passaríamos cada dia sem análise e sem tomar novas decisões.  


* Escrito em algum dia qualquer, em um momento qualquer e não completado por algum motivo qualquer.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Vácuo

Não foram horas, nem dias, nem noites, nem momentos. Foram eternidades em pensamento, contadas em segundos agonizantes que passávamos distantes. Cá estou eu, lá está você e o vácuo se mantém no meio. De fato tem aparência de vibrações, que acolhem meu coração e em seguida fogem para o seu. Um telefone sem fio, uma linha imaginária e lotada de interferências e a reza diária para que você continue a me amar. "Ame-me", repito. "Ame-me", digo. "nunca deixe de me amar", canto como versos de um mantra de amor e desespero. E busco o sinal, qualquer sinal de resposta, mesmo que ela venha em murmúrios quase surdos. Mesmo que muitas vezes só venha à vibração, sem música, sem som. O vácuo com alma cintilante. "Amo-a", repete. "Amo-a, creio", escuto. Mas a confusão é tamanha que talvez sua voz em meu ouvido e este arrepio que encontro em minha espinha, nada mais seja do que meu sentimento que grita neste silêncio todo. E se caso buscasse seus olhos, caso buscasse o pequeno brilho branco, mas só há o negro. E o negro se perde em dimensões. Entre o infinito que tanto se parece apertado e sufocante. Toque-me! Por Deus, lhe imploro que me toque. Minha pele se arrepia, mas seria esse mais uma vez o desejo? Caso seja este o motivo, quero viver envolta ao desejo.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Somebody do Love



Acordo cada manhã um pouco mais morto, mal posso me manter em pé, vejo-me no espelho e só encontro lágrimas. Deus, o que você está fazendo comigo? Passei todos meus anos acreditando em você, mas não encontro paz, Senhor. Posso enfim encontrar alguém para amar?

Trabalho duro todos os dias de minha vida, até que não me reste o pó, mas no final trago a solidão como o único pagamento. Então me ajoelho, Deus, e começo a rezar até que as lágrimas escorram de meus olhos. Senhor, posso enfim encontrar alguém para amar?

Todos os dias eu tento me manter, mas todos me jogam ao chão, dizendo-me que não passo de um insano com muitas ideias na cabeça, sem o mínimo de senso comum. Não me resta ninguém, Deus, ninguém que acredite em mim.

Posso enfim encontrar alguém para amar? Não tenho mais coração, não tenho mais ritmo, continuo me perdendo pelo caminho. Mas estou bem, me mantenho firme, não pretendo me entregar a derrota. Só preciso desesperadamente me livrar dessa cela apertada. Um dia eu ainda serei livre, Senhor!
Então, somente então, eu encontrarei alguém para amar.

Isso foi uma interpretação meio tosca que fiz em base do meu fanatismo por Queen :x

terça-feira, 15 de maio de 2012

Capítulo 1


Algumas coisas sobre mim:

Tenho uma personalidade forte e instável
Mudo de opinião muitas vezes
Não me apego
Me apaixono muito facilmente (notou a dualidade?)
Tenho grande facilidade de largar vícios
Tenho grande facilidade de fazer vícios
Não gosto de chocolate
Amo melancia
Não gosto de nhoque
Não gosto de ervilhas (por que as pessoas comem algo que não tem gosto?)
Não sou competitiva (em esportes ou jogos)
Não tenho religião
Não sou ciumenta (não daquele tipo maluco, sabe?)
Acredito em tudo até que me prove ao contrário
Gosto de ficar sozinha (mas acho que é porque não tive escolha)

Capítulo 1

Acordei em susto. Alguém tinha acabado de pular em minha cama de maneira empolgada, dando-me um ataque cardíaco de alguns segundos, quando finalmente pude raciocinar e abrir meus olhos, vi Bianca me encarando com um sorriso no rosto.

- Acabei de encontrar o homem dos meus sonhos! – Olhei para os lados, buscando meu celular na minha escrivaninha, estiquei minha mão para pegá-lo: 03:45 da manhã. Meu suspiro saiu como uma panela de pressão. – Eu não podia esperar até amanhã, desculpa!

- Acho que você quis dizer até o amanhecer, porque pelos meus cálculos isso já é “amanhã”. – sorri ao encarar o rosto arrependido dela. – Ok, mas agora que já me tirou dos braços de Morpheus, me conta sobre o encontro. – Sentei-me em pernas de índio na cama, me ajeitando o máximo possível e acendendo o pequeno abajur ao meu lado.

Bianca era o tipo que todo homem já deve ter desejado para si. Pequena, magrinha, ruiva de cabelos cacheados, olhos verdes, pele branca com sardinhas nas bochechas, lábios sempre vermelhos naturalmente. Do tipo linda, do tipo nada a ver comigo. Eu era grande, com cabelos morenos e ondulados, uma boca estranha e sem formato (minha mãe a chamava de “boca de babado”, seja lá o que isso quer dizer), nunca fui magra demais, e não foi por falta de regime, é que eu tenho a infelicidade de ter o que as pessoas chamam de “ossos largos”. Minha vida inteira o que eu mais queria ser era uma “Bianca”, não que a inveje (pelo menos não do modo negativo, porque toda mulher inveja a outra, não importa o grau de afinidade), acho que seria mais admiração pelo corpo “mignon” dela. 

- Ele passou no teste, Pri! – ela me disse empolgada, se jogando mais na cama, olhando para o teto como se o visse lá – Primeiro ele me levou para jantar no restaurante japonês – eu sinceramente não entendo essa moda de comida japonesa, de uns anos para cá, comer algo cru é mais descolado que ir num restaurante francês – depois andamos pela avenida, conversando sobre nossos interesses – ela continuou, enquanto se virava novamente para me olhar com um sorriso no rosto – aí, quando eu imaginei que nosso encontro já estava chegando ao fim, sugeri o teste, perguntei se podíamos passar na livraria, só para fuçar um pouco...

- E o que ele disse? Como ele se comportou? 

- Ele sorriu, amou a ideia! E falou a palavra mágica: “eu amo livros”. – ela fez uma voz grossa que me causou gargalhadas – claro que não é um fã de Jane Austen, e ainda bem, né? Pelo menos gay eu já sei que ele não é! 

- Eu acho que nem mesmo os gays gostam de Jane Austen. Ela é uma autora legitimamente feminina, é mulher demais até mesmo para gays.

- Ele prefere os livros policiais, sabe aqueles que a gente sempre ignora? – Concordei com a cabeça, eu era uma pessoa romântica para livros (e acho que somente para eles), portanto qualquer outro gênero não era tão bacana. – E ficção científica, sério... quem, além dos meus pais, gosta de ficção científica? 

- Ele. 

- Sim, mas tudo bem. O que importa é que ele passou no teste, certo?! E já falei que ele é lindo? – ela riu.

- Sim. Lindo, loiro, rico, másculo, tudo aquilo que nós queremos e não temos. – Melhor dizendo, tudo aquilo que eu quero e nunca terei, porque para ela já não era tanto problema. – Mas se vocês foram jantar, foram na livraria e tudo mais, como estão voltando a essa hora, Bianca? 

- Porque depois ele me levou para outros lugares, Priscila. – ela forjou uma cara de inocente que logo foi substituída por uma gargalhada empolgada. – Temos mais uma coisa na lista, mas essa é melhor eu mantenha para mim mesma. – disse fazendo um sinal com a mão de que algo muito grande aconteceu.

- BIANCA!

- Até parece que não gosta. – riu ao pular novamente da cama, dessa vez para sair dela.

- Não faça inveja para as amigas, sabe que isso é algo que não está na minha rotina há tempo. – e era verdade, mal lembrava a última vez que tive alguma relação com um homem, talvez tivesse sido na minha última tentativa de romance, frustrada como sempre. 

- Não fica triste, amiga! O que é seu, tá guardado! – Bianca já tinha basicamente saído do meu quarto quando finalizou a frase. – Boa noite! – gritou da sala.

- O problema é que foi tão bem guardado que nem Deus acha. – suspirei quando voltei a me enfiar na cama, dessa vez já sem sono. – Vamos lá, quem sabe Darcy me consola. – sussurrei o buscar em minha escrivaninha o velho exemplar de Orgulho e Preconceito.

***

Não pense que eu era algum tipo de “mal-comida”. Não, eu não era. Só estava cansada de toda a batalha da vida solteira e tinha aceitado o fato de estar sozinha e não estava infeliz com isso. Não queria mais passar pelas etapas de conquistas, sorrisos bobos, “qual seu telefone?”, marcar encontros, transar ou não transar na primeira saída, a espera do retorno, os meses que você passa para conhecer a pessoa, dizer que está apaixonado, finalmente assumir que a ama, para que, de um dia para outro, você (ou ele) descobrir que não, você não o ama mais e que tudo isso era passageiro. Durou alguns meses, durou alguns anos, tanto faz, mas acabou. 

Aí vem a hora de enfrentar a outra fase: a do desapego. Você se acostumar com a ausência de telefonemas, entender que não pode mais contar como foi seu dia, sua vida sexual cai 80% e todos os problemas sentimentais, as noites sem dormir porque não parava de chorar, o medo de sair para uma festa sozinha, a solidão das sextas-feiras pós-trabalho. E aí quando você finalmente se recupera de tudo, você volta para a fase 1 e você nunca sai dessa roda.

Eu tinha cansado disso, com o meu último namoro mal sucedido eu decidira dar um tempo para o romance todo, me focar em livros e curtir o que as pessoas costumam chamar de “minha própria companhia”, não tinha problema nenhum nisso, afinal. Algumas pessoas pensavam que eu ainda não tinha superado o término, mas não era isso (principalmente porque fora eu quem dera o fim na história), Bianca achava que eu estava em algum tipo de depressão, por simplesmente não querer mais sair para todas as festas que éramos convidadas. Bianca era mais inocente que eu, creio que tinha se enfiado mais de cabeça dos romances que líamos, acreditando naquela história que o “amor de verdade” estava próximo e que era só preciso procurar. Eu não acreditava nisso, tinha cravado em meu cérebro e em meu coração que esse tipo de amor tinha passado da minha avó para minha mãe e me pulado, eu não era para aquilo, eu não era daquela época e eu não ia encontrar o amor de minha vida na padaria, no bar e, pior ainda, na balada. 

Eu queria paz. Queria trabalhar, caminhar até minha casa, ler um livro e descansar, talvez sair para algum bar, tomar uma cerveja e voltar. Não estava procurando o homem da minha vida, estava procurando sossego. 

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Prefácio


Queria saber como é o melhor modo de começar um livro. O fato é que gostar de ler e entender muito sobre esse universo, não tem conexão alguma com saber como começar sua própria história. Encontro frases soltas e até mesmo o que eu mais gostaria de compartilhar, mas como faço para começar com tudo isso?

Essa história será sobre uma vida, somada com curiosidades de outras tantas vidas, com pitadas de uma grande paixão. Como toda mulher com a minha idade (aquela entre os vinte e cinco e trinta e cinco) e da minha geração (essa que acha mais fácil compartilhar a vida em uma página na internet do que com seu melhor amigo), encontro grande dificuldade de buscar o caminho certo e às vezes a vontade de desistir bate a porta, dizendo-me com todas as palavras: Você não vai conseguir. A partir daí, para evitar essa depreciação, eu criei uma terapia, a terapia dos livros e das papelarias, assim sempre que me sentia mal, estava nas últimas da minha TPM, chorando abraçada com uma panela de brigadeiro de colher, eu saía e ia para minha terapia particular.

Estamos vivendo em uma era que a cultura está bem vagabunda, que ler um bom livro é sinal de intelectualidade, e não de simplicidade (como eu, particularmente, encaro esse “esporte”). Portanto é bem comum ver os mesmos diálogos sobre como uma pessoa ama livros, como outra ama escrever e todas essas baboseiras mentirosas, o fato é que as pessoas criaram a imagem de que ser “intelectual” e “Cult” é algo positivo e descolado, enquanto durante toda minha infância e adolescência, gostar de ler era sinônimo de gente esquisita, nerd e deslocado.

Mas me dê um momento para contar minha experiência com os livros e com produtos de papelaria. Se eu começasse minha história falando que era uma garota tímida, excluída, que amava ler desde criança, pois encara nos livros minha única companhia sincera, seria uma completa mentira. Para ser transparente com vocês, eu nunca fui tímida, mas também nunca demonstrei sentimentos próprios, eu tenho o costume de viver pelo sentimento dos outros, pois me sinto incomodando pessoas caso falasse dos meus próprios problemas. Dizem que tem a ver com meu signo, talvez tenha mais a ver com o fato de eu achar muito irritante escutar reclamações e também por seguir a risca a ideia de não fazer aos outros o que eu não gosto que façam a mim. De qualquer modo, nunca tive grandes problemas com comunicação, tenho uma personalidade que me permite rir de quase todas as situações e isso me faz, de certo modo, atraente a novas amizades.

O grande problema disso tudo é que, como a maioria das pessoas comunicativas, possuo uma mente hiperativa e criativa, o que me impede de focar, manter um diálogo por muito tempo e achar coisas cotidianas interessantes. Desde sempre criei universos em minha mente, criava histórias, mundos, amigos imaginários que fossem super-heróis intergalácticos e estudava qualquer época com deuses o suficiente para me manter distraída por algumas horas. Com a ajuda de minha mãe (esta sim, com as características de timidez que vocês estão acostumados para descrever apaixonados por livros), tive contato com livros de mitologia e minhas “histórias de nanar” se tornaram nos contos destas obras, fazendo com que meu primeiro contato com o mundo da literatura fosse absurdamente delicioso.  Foi nesse momento que minha paixão por livrarias começou. 

Para mim, uma livraria é como uma loja de doces para uma criança. Cheia de opções, gostos, estilos e vida. O primeiro diferencial é o cheiro, não importa qual loja você vá, qual espaço você frequente, o cheiro dos livros ainda é o mesmo, é como um perfume comum e é a mesma sensação de quando você passa muito tempo fora de casa e retorna só para sentir o cheiro daquele espaço. Não tem nada igual. As páginas, o cheiro da impressão, do estilo de papel utilizado, todos os detalhes são fundamentais nesse momento, é um momento de prazer quase sexual. Em seguida é o tato. Não importa se o livro te impressione ou não, não importa aquela famosa frase “não julgue o livro pela capa”, mesmo que você não vá levá-lo, pois o assunto não te interessa, toque-o. Sinta-o com a ponta dos seus dedos, são tantas opções que você se perde.

Finalmente há o momento mais importante da minha paixão, o motivo que durante muito tempo preferi-os as pessoas de verdade. Descobri nos livros a única coisa que consegue conquistar minha atenção por mais de uma hora seguida, que não me faz sentir entediada, ou desinteressada. Quando entro em uma livraria imagino quanto conhecimento existe naquele espaço, quantas histórias sem pé nem cabeça, quantos livros sobre autoajuda, sobre história da arte, história contemporânea, música, esoterismo, e ficções alucinantes sobre o mundo de robôs e pessoas gordas em cadeiras de rodas flutuantes. Não importa o que você procura, o que importa é que nada substitui àquilo, nem mesmo a Google. 

Minha história com papelarias não é muito diferente. Tem muito a ver essa história de mente criativa e hiperativa. Como criava histórias em minha mente, conversava com a parede e sonhava acordava, decidi desde pequena investir em “arte”: desenhos, poemas, contos, diários, pinturas, montagens, costura. Tudo e qualquer coisa que tivesse alguma relação a expressar minha criatividade, eu aprendia, se fazia direito ou não, isso já era outra história. O que importava era que eu me arriscava em qualquer coisa e finalmente conseguia, do mesmo modo que fazia com os livros, me manter quieta num mesmo lugar, me focando numa mesma tarefa, por horas e horas sem parar. E isso era delicioso, era o meu momento, era o momento que eu conseguia colocar para fora qualquer sentimento que escondia das pessoas, e foi exatamente desse modo que descobri minha vocação para a vida. 

Entrar em uma papelaria é buscar novos materiais criativos, é pôr na prática tudo que eu aprendi com meus livros. Tenho com cadernos e diários a mesma conexão que encontro nas obras da livraria – cheiro, tato e conteúdo -, a diferença é que com a papelaria eu invisto no conteúdo, o que me dá grande alegria.

Eu também tenho isso com canecas
E bolas de pular
E cremes
E sapos de pelúcia

Mas isso não se iguala.

A partir daqui você começa a me conhecer. Essa história é sobre essas duas paixões e a busca de uma maior, uma que dure e que fale coisas interessantes por mais de uma hora. Essa história não é só sobre mim, mas também sobre outras pessoas com as mesmas síndromes, com os mesmos desejos, que aprendem entre si e também com a ajuda de livros e cadernos.