segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Nos Limites do Bullying

Eu olhei para baixo e meu medo de altura não apareceu. A água parecia agitada, talvez o impacto do meu corpo fosse forte o suficiente para que eu não sofresse muito com a queda. Meus olhos ardiam e meu coração parecia que ia sair pela boca. Queria entender porque fizeram isso comigo, queria entender porque não posso ser normal.

Coloquei uma perna para frente, pulando o muro que me separava da ponte, meu corpo começou a tremer, senti uma leve vertigem. Segurei-me por um momento nas grades e me abaixei, olhei para água, ela tinha um cheiro tão fétido que me dava náuseas, conseguia ver coisas espalhadas naquela água, sacos plásticos, restos de alimentos e animais em decomposição.

Ontem minha mãe disse que minha homossexualidade era somente um modo de torturá-la e que eu devia realmente odiá-la para fazer isso. Ela acha que eu escolhi essa vida, como se eu tivesse pensado que ser contra os parâmetros da sociedade fosse divertido, como se eu gostasse de ser chamado de menina e de ser espancado pelos meus colegas de escola. Se eu pudesse escolher preferia ser aqueles marmanjos que me batiam quando eu era criança. Eles recebiam broncas e suspensões, mas depois seus pais davam tapinhas nos ombros dizendo como eles eram machos por ter espancado uma “bichinha”.

Ela me pede filhos todos os dias. Diz que com a minha idade meu pai já era o homem que é hoje. Já cheguei a tentar mudar isso, já cheguei a tentar virar uma pessoa que alguém pode considerar normal. Namorei mulheres, mas sempre acabava ferido, elas esperavam mais de mim do que eu poderia oferecer. Fico pensando se caso eu desse um filho para minha mãe ela seria feliz, caso eu fosse o homem que ela desejou ela pararia de me excluir do resto da família e fazer com que meus irmãos sigam o mesmo caminho.

Tenho dois irmãos. O mais velho mal olha para minha cara, diz para a mulher que eu tenho manias estranhas. "Manias". Meu irmão mais novo escutou tudo que lhe foi dito e me detesta porque quando estava no colegial ele também era espancado. "Irmão do boiola". Excluíram-no durante tanto tempo e todos diziam que era culpa minha. Hoje em dia ele é homofóbico, daqueles que se encontra um homossexual faz coisas realmente erradas. Eu sei que é culpa minha e talvez eu mereça isso.

E não. Esse não foi o meu único problema. Definitivamente foi o mais grave e o que me faz sofrer até hoje. Mas não, eu era ainda inteligente de mais e, supostamente, feio de mais para conviver em grupo. Queria explicar como as coisas funcionam para pessoas que são deixadas de fora. Quando não se tem beleza, sexualidade ou bom humor para se abraçar, nós nos abraçamos em estudos.

Como brincar sozinho era tão rotineiro para mim, ler se tornou um dos meus maiores prazeres. Eu era ainda pré-adolescente quando me enfiava no meu quarto e pegava a maioria dos livros da biblioteca de meu colégio. Lia vários e de todos os autores. Amava assuntos que ninguém nunca se interessou e me focava em meu estudo como se fosse a única coisa que realmente me importasse. O que, de fato, não era mentira.

Isso foi algo que eu descobri logo. As pessoas temem as que são mais esforçadas que elas, é como se fosse um xingamento receber uma nota alta ou um prêmio. Aí te julgam. E aí te excluem. E sabe o que me era mais frustrante? Era porque nem meus professores daquele tempo me protegiam. Eu não sabia mais para onde correr! Minha família me excluía, meus colegas me excluíam e até meus professores me excluíam. Tornei em minha adolescência um homem agressivo, afinal se ninguém me defendia, tinha que me defender de meus próprios modos. E mudei, não era mais feio, mas meu psicológico já tinha sido mudado o suficiente para não me achar bom.

A pressão se tornava cada vez maior e agora eu trocava de colégio toda a hora porque me defendia das agressões físicas e verbais. Era sempre o culpado. Uma vez três garotos me pegaram na classe desprevenido e me jogaram contra a parede. Socaram onde conseguiam encontrar, chutavam minha costela e me ofendiam de todos os modos possíveis. Não conseguia me defender e quando consegui me levantar e agredi-los logo foram embora e avisaram a coordenação do colégio. Mesmo com meu corpo todo estourado acreditaram neles e me expulsaram. Minha mãe os defendeu e disse que eu era frouxo de mais para viver ali.

Olhei novamente para o abismo de água embaixo de mim. Meus olhos agora ardiam com as lágrimas e não mais pelo odor. Essa é a segunda vez que tento suicídio. A primeira foi com remédios, mas meu namorado me encontrou antes que eu conseguisse algo. Fui internado e depois me colocaram com uma série de psicólogos e psiquiatras. Desta vez eu espero que seja definitivo.

Espero que ele não sofra. Meu companheiro é um dos poucos que sempre me apoiou. Ele é um homem forte, já vivido e que diz nunca ter se importado com o preconceito que recebeu. Mas já o vi lamentar quando o demitiram do trabalho pela sexualidade dele. Ele sempre se recupera, ele é mais resistente que eu.
Debrucei meu corpo para frente, me segurando em somente uma mão, é só soltar os dedos que eu caio. Só isso. Em um movimento acabo com essa dor que me corrói diariamente.

Hoje meus colegas de trabalho colocaram um vídeo na internet e jogaram em um site de relacionamento. Não sei como conseguiram me filmar naquele estado, eu nunca gostei de aparecer em situações que considero incrivelmente pessoais. Não sei quem os ajudou, mas agora todos do meu trabalho sabem o que eu faço em meu tempo livre. Sabem com os mínimos detalhes e todos estão debochando de mim agora mesmo.

Estou fazendo isso porque não suporto mais me olhar no espelho. Sinto-me sujo e me considero repulsivo. Não sei mais o que é amar a si mesmo, pois a cada dia alguém consegue destruir mais esse sentimento. Não consigo mais confiar, talvez tenha sido meu próprio companheiro que tenha feito isso comigo. Não sei. Agora não me importo mais. Vou soltar um dedo de cada vez até que não aguente mais o peso do meu corpo. Talvez em outro lugar eu me sinta livre. É o que eu espero.

Dedicado a Juliana Lindo. Uma mulher que superou e supera todos os preconceitos.

domingo, 3 de outubro de 2010

A Náusea Sartreana

Há temos que não escrevo realmente em um papel. Amassado, com manchas recentes de café, mas um papel mesmo assim. Às vezes penso que perdi essa capacidade. A de deixar minha mente fluir vagarosamente em uma folha, arranhada por uma caneta qualquer. Minha mente anda poluída e rápida de mais, não tenho mais paciência de uma criação lenta como a escrita.

Faz tão frio que minha mão não corresponde aos chamados e me canso rapidamente. Penso em acender um cigarro, mas se fizesse, não conseguiria escrever, preciso segurar o papel com força enquanto o faço.

Vejo de dez em dez minutos um homem passando, correndo com pouca roupa. Sinto um frio inimaginável só de olhá-lo, talvez o exercício físico não o permita sentir a baixa temperatura, de fato o meu tipo de exercício, o exercício mental, não tem essa capacidade.

A fonte que sempre costumo observar quando paro para ler nesta praça, começa a me irritar, o barulho da água correndo é repetitivo. Hoje colocaram livros na fonte, livros abertos. Supostamente é algum tipo de exposição pós-moderna que eu não vou e nem pretendo entender. Considero, sim, um desperdício literário. Cultura molhada como a minha folha molhada de café.