terça-feira, 4 de maio de 2010

Dorian Gray

Relaxa, prometo que não enlouqueci e nem estou em um ataque depressivo! Eu simplesmente fiquei com uma frase em minha cabeça e precisei imediatamente colocar no papel. Talvez seja um pouco perturbador, mas a vida é assim!

Espero que gostem.

Da autora.

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Sentou-se e respirou fundo. O ar gelado ardia sua garganta misturado com a fumaça do cigarro que prejudicava sua respiração. Sua bebida estava intocada. O gelo trincava. A escuridão invadia a sala e a sombra de seu retrato espantava sua mente.

Minutos a observando sem sair do lugar e cada vez que a olhava, as imagem pareciam sair do espaço, andar até sua cadeira e morder a barra de sua calça. Os olhos desviavam o olhar dos próprios olhos retratados. A visão imaginada o cobria de elementos asquerosos e parecia rasgar sua pele.

O irlandês não podia estar mais certo. Aquela alma que lhe sugava e lhe mostrava todas as faces sem medo de lhe ferir. Aquele corpo imperfeito que lhe dominava e entrava em seu interior, domando suas ações cada vez mais incoerentes.

Há dias não se banhava e ele tinha a leve impressão que até os animais mais sujos tinham nojo de sua nova pessoa. As baratas pareciam fugir de sua presença e os ratos evitavam roer seus sapatos com medo de sua podridão.

Medo era uma palavra fria. Real. Seu corpo tremia pelo medo e pelo sofrimento incompreendido. Era tudo culpa daquele retrato e isso ele não podia negar. Aquela imagem real de seu rosto deformado e imperfeito. Ou perfeito. Perfeito até mais do que se é necessário.

Retrato. Retratar-se. Tratar. O tratamento que não havia cura, só marcas sangrentas pelo caminho. Não havia chão onde pisar e cada passo que ele tentava dar, se sentia sugado pelo chão grudento de um líquido pastoso já bem conhecido por sua pessoa. Esse liquido escorria daquela imagem, como ferimentos incapacitados de serem sarados.

E a faca continuava lá. Estacada, presa e já enferrujada com o tempo. Rasgou o peito de si mesmo, rasgou o coração sem palpitações. Rasgou a alma sem mais caminho. Só o pecado que lhe compreendia.

Se havia sentimentos? Esses ainda existiam. Sentimentos eram confundidos com coisas poderosas e positivas. Mas os sentimentos que pareciam prevalecer não eram positivos, mesmo que poderosos, infinitamente poderosos.

O gelo continuava trincando, mas talvez fosse somente seus dentes. Rachados pelo ódio. O mundo são todos e todos são ele. Ele sentia o ódio por todos. O ódio pela destruição e pela falta dela.

Covardia parecia ser a primeira palavra que subia em seu cérebro quando se indagava sobre a destruição. Aquilo era um castigo para uma pessoa que não acreditava em castigos divinos. Era aquele ser incompreendido que lhe derramava sentimentos. Um pecado para um ateu. Tapas em na face para um cético.

Sua única necessidade fora negada. Por falta de merecimento. Ele usou de sua covardia e de sua coragem para destruir o que tinha construído. Aquilo lhe foi negado. Era obrigado agora a viver uma vida que não se pode oferecer essa palavra. Vida não é vida quando não se quer vivê-la. Vida não é vida quando é negado perdê-la.

A faca enferrujada que estava cravada no peito do retrato, se afundava em seu próprio corpo e não poderia nunca ser retirada. O que lhe era considerado de mais asqueroso, era somente ele. Ele devia aceitar, aceitar o que lhe foi dado, porque tudo foi merecido, aceitar o que lhe foi negado, porque tudo foi perdido. Mas o aceitar parecia longe de sua realidade. Essa não era mais existente.