sexta-feira, 23 de maio de 2008

O Precipício

Olá a todos! Eu gostaria de lhes dizer muito, mas minha voz se falha, então simplesmente lhes dou um Adeus por hoje.

Espero que gostem do texto, escrevi agora mesmo, a conversa entre um casal, onde ele tenta explicar sua doença usando uma metáfora, mas ela não o compreende.

Beijos e abraços,
Da Autora.


* "O cão lambe as feridas? Ou é já a morte, por via da chaga, que beija o cachorro na boca?" - O Último Vôo do Flamingo


-- O Precipício --

“Quantas vezes já passou pela sua cabeça a vontade de acabar com sua vida?”, ela estava sentada numa poltrona com as pernas para o ar, tragando seu cigarro enquanto esperava a resposta dele. “Foram tantas que já me esqueci”, ele lhe responde em meio da fumaça de seu cigarro, “Então por que nunca realizou essa vontade?”, “Porque nunca tive coragem...”

Ele pode ver o grande ponto de interrogação que se formou próximo a ela, que se ajeitava agora na poltrona querendo saber mais, esse era o problema das pessoas normais, elas nunca entenderiam a mente de uma pessoa depressiva. “Quer que eu me explique, não é?”, ela simplesmente concordou com a cabeça, “Me dê um cigarro...”, ela pega em sua bolsa o maço amassado e lhe entrega um cigarro junto com o isqueiro, enquanto ele acende o cigarro e sente a dor daquela primeira tragada após anos, lhe percorrer a garganta.

“Imagine um precipício, você tenta olhar para baixo, porém não vê absolutamente nada, essa é sua vida, um grande e enorme precipício. No momento em que sua mente começa a criar idéias próprias, você cria sentimentos, teorias, foge das coisas simples que seus pais lhe mostraram, você cai no precipício.”

Ele sabia que ela não entendia absolutamente nada do que ele lhe contava, ela nunca teve a sensação do precipício, mas era a melhor para descrevê-lo. “Você tenta se agarrar no que pode, se mantém preso por alguns momentos, tenta subir e voltar a superfície, mas não consegue, o medo lhe faz cair mais uma vez, você teme se um dia encontrar o fim daquele buraco, mas teme mais ainda se continuar caindo para o resto de sua vida.”

“O tempo que você se mantém no precipício é indeterminado, depende de quanto tempo sua sanidade permitir, o que você sabe é que está sozinho, no escuro, caindo, caindo, caindo... Essa solidão imensa lhe permite pensar e, olhe, pensar foi a pior coisa que nos fez diferentes dos animais...”, era nesse momento que ela o olhava com aquela cara de “você é doente”, e ele realmente era.

“Não me critique, animais irracionais não pensam em se matar, não pensam em matar aos outros, eles simplesmente vivem conforme os instintos. Eu estou me referindo aos seres racionais fracos como eu, não os fortes como você.”, ele sabia que aquele elogio ia fazê-la sorrir e voltar a pensar na mensagem por trás da critica. “Quando você pensa enquanto cai no precipício, sua mente nunca pensa coisas positivas, não existem árvores, pássaros, plantas, água, para que você pense que o mundo é uma beleza. Existe somente o escuro...”

“Quanto mais você pensa, mais você deseja que aquele precipício acabe logo, quem sabe em outro plano você encontre pássaros, árvores, cachoeiras, plantas?! É o que você deseja... Não existem prazeres, o que existe é simplesmente você e um grande buraco. Você quer acabar com o buraco, sair dele, respirar, viver, sorrir...”.

“Mas o que isso tem a ver com você querer se matar?”, perguntou ela, apoiando o queixo nas mãos que estavam apoiadas em suas coxas. Ele a olha, sorri e continua, “me dê outro cigarro...”.

“A morte é o fim do precipício”, uma pausa para uma tragada, “o precipício sua vida”, outra pausa, mais uma tragada, “o fim do precipício é o fim da depressão”, mais uma tragada, “mas você nunca conhece esse fim, a não ser que esteja sob efeitos de drogas...”, ele apaga o cigarro no cinzeiro, “eu nunca aceitei as drogas que me ofereceram, somente as que queria consumir”.

Ela continua a olhá-lo sem entender absolutamente nada, essas coisas sempre aconteciam, eles nunca entendiam. Alguns pensavam que o ajudavam, outros simplesmente reconheciam que não entendiam seu mundo. Isso não o incomodava mais. Ele sorriu, se levantou e pegou seu casaco, “foi um prazer...”, foi a ultima coisa que disse após fechar a porta e a deixar pasma sentada em sua poltrona.




sexta-feira, 9 de maio de 2008

Rito ao Blues

Ele tocava o blues como um denomino nos pianos. Podia sentir o calor de suas mãos, indo em voltando, batendo firme naquelas teclas já amareladas. O cigarro dependurado nos lábios, mal tragado pela falta de tempo com o ritmo frenético da música, o suor pingava de sua testa a cada girada de corpo que ele dava.
Os óculos escuros se tornaram referência para os amantes do blues, enquanto as pessoas observavam-no sentadas de frente a mesas de madeira, com uma vela ao centro uma flor vermelha murcha ao lado. Todos calados, todos apreciando, todos sentindo, todos em seus próprios mundos enquanto ao som de Blues os levavam para seu mundo paralelo.
A fumaça de tabaco, misturado com a fumaça das velas, cobriam o ambiente escuro, o barman limpava seus copos recém-lavados, com um pano usado e já utilizado todos os dias sem ser limpo, observava o homem tocando, mas sua visão não estava lá, mas sim em sua mulher, aquela que estava em casa, com bobs na cabeça, esperando ansiosa para o afeto de seu marido, que usava suspensórios cinza, combinando com sua calça de algodão e uma blusa branca já comida pelas traças. Uma boina preta tendia para o lado, mostrando seus cabelos negros com pequenas mechas brancas/acinzentadas.
O homem tocando, não pensava nada, não viajava em seu mundo paralelo, não pensava em sua mulher, principalmente porque não a tinha, não pensava nos copos sujos que depois ia tomar sua dose de whisky diária, não pensava nos bobs, não pensava na filosofia, não entendia a filosofia. A única coisa que lhe passava pela mente, era notas invisíveis, teclas de piano, seus olhos fechados, seus lábios cantando freneticamente, ele mal sabia o que cantava, porém cantava. Ele deixava a música o levar, deixava o Blues lhe dominar, ele encarnava cada um dos seus professores de vida, ignorava o mundo que esquecera o gosto da música de subúrbio.
Mal imaginava que um dia seria reconhecido por sua música, a intenção era se apaixonar, era fazer amor a música, a música era o sexo perfeito, os movimentos, os momentos altos, os momentos calmos, o fim podia ser curto, o fim podia ser longo, mas havia fim, não necessariamente eterno. Logo no outro dia, ele voltava a fazer amor a sua música.
“Com aquele que você ama, você faz romance, para todos os momentos você esperava dançar, sentindo a música da cabeça aos pés”, ele cantava, ele entrava em um êxtase eterno, em um gozo fanático, em um ritmo eloquente, em sua vida sinfônica.
As pessoas não entendiam o amor ágape entre ele e sua música, as pessoas escutavam e usavam aquele som fantástico para criar, ele criava a criação alheia, mas não tinha consciência disso, ele criava amor, ele criava filosofia, ele criava ódio, ele criava a mente, no piano ele era Deus e em sua voz, ele impunha seus mandamentos.
“A música estava morta”, a música é eterna, a música se modifica, retorna ao seu ponto auge, encontra amores, a música tem vários amantes, a música é poligâmica, e sem criticas a respeito disso, seus amantes não são ciumentos, e ela dá a atenção necessária para todos, sem exceção, eles usufruem de seu poder, de seu amor, de seu gozo, até que estejam satisfeitos, mas nunca estão, são ninfomaníacos musicais.
Aquele homem tocando freneticamente seu piano era um ninfomaníaco musical, um esquizofrênico, um amante... Eu, por minha vez, usufruía de seu poder, era um rito ao sexo musical.