terça-feira, 29 de junho de 2010

Flerte

Ela tocava em seus cabelos calmamente, colocando mechas rebeldes atrás de sua orelha. Tragava seu cigarro como se beijasse os lábios de uma estátua grega. Sentindo com seus lábios e sugando suavemente, distanciando a nicotina e soltando a fumaça espessa para o alto, como se acariciasse os céus.

Voltava seu olhar diretamente para ele, enquanto este observava seus lábios grossos. Ele sabia qual era seu poder sobre ela e ela sabia de seu domínio estrategicamente planejado.

Estavam jogando uma partida de xadrez. Mas em uma versão mais antiga, aquela dos tempos em que as peças eram os homens. Seus raciocínios pensavam vinte passos à frente, calculando e tramando.

"Suas mãos são macias", ele disse quando a tocou delicadamente com suas mãos quentes. As mãos dela estavam descansando encima de sua perna cruzada, somente esperando por esse contato dele.

Ela não fingia falta de conhecimento nesses contados e isso o seduzia, ele entendia o jogo dela e entendia também que aquele jogo estava sendo posto sem seduções baratas ou desconhecidas. Isso o obrigava a se colocar de corpo e alma naquela brincadeira perigosa.

Ela pouco falava, mas muito demonstrava. Pelo modo que bebericava seu drinque, ou o modo que tragava seu cigarro e o modo que o olhava e que sorria. Quando ele revelou que desejava beijá-la, mais uma vez não foi dito nada além de uma risada sonora.

"O que fazemos a respeito?"

"Nada", pois ela conhecia suas limitações. Mesmo que tivessem conquistado seus objetivos. Não trabalhariam nas ambições impossíveis e destrutivas.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cotidiano

O cigarro é um acompanhante, mesmo que doente, venenoso e terrivelmente enganador. Mas lhe aprisiona e lhe garante sossego por alguns minutos poucos, onde suas tragadas lhe levam para um mundo calmo e onde sua mente vaga sem distância e sem desculpa. Não lhe modifica as atitudes, nem as razões, mas lhe justifica os ataques histéricos e os estresses da vida cotidiana.

Ela tinha acordado com sua garganta ardendo, os 15 cigarros do dia anterior sempre lhe deixavam destruída logo de manhã, sua voz saia rouca e sua respiração lhe doía o pulmão. O café preto forte e sem açúcar facilitou a lubrificação de suas cordas vocais, uma tossida baixa e ela já acendia seu cigarro, dando uma tragada curta, pois a longa lhe ardia e lhe oferecia uma tontura indesejada.

Seus passos foram lerdos até o banheiro e, como não costumava usar roupas de baixo, logo de sentou no acento da privada, com o cigarro entre os dedos e os cotovelos apoiados largamente em suas coxas abertas para que os excrementos saíssem de sua forma natural. Ela de canto olhava seu reflexo no espelho, os cabelos desalinhados e oleosos, as remelas nos olhos e a fumaça do cigarro embaçando a imagem.

Depois de se limpar e jogar a bituca na privada, aproveitou o momento para ligar a água quente do Box, olhava seu rosto de perto no espelho, espremendo aquelas pequenas espinhas que normalmente apareciam de um dia para outro, enquanto a água esquentava e jogava o vapor para fora do Box.

Ela retira a camisa velha que usa, jogando-a na pia, olha seus seios no espelho e os apalpa, sente uma dor e repara que seu período deve estar se aproximando. Vê que seus mamilos endureceram e acha graça, depois chuta para debaixo da pia seus chinelos felpudos e quentes.

Quando entra em seu Box, a água fervente faz seu corpo arrepiar e parecer estar queimando, aquela tortura diária que lhe agrada, seus olhos se fecham e ela permite que a água bata em suas costas, onde as tensões lhe deixam dolorida. Espalha a espuma do sabonete em seu corpo, fazendo desenhos e contas com o dedo no vidro embaçado. Deixa a água absorver as sujeiras e as levar para longe e sai do banheiro.

Olha-se no espelho novamente, jogando os cabelos molhados para trás e acendendo um cigarro nos lábios molhados, dando uma tragada e deixando a água evaporar de seu corpo, depois calmamente espalha o creme corporal, sentindo seu corpo arrepiar pela frieza do produto. Dá mais uma tragada e joga as cinzas na pia, depois deixando a água a levar para longe.

O frio continua a lhe arrepiar a pele, mas ela sai descalça e nua até o quarto, sentando-se na cama e apagando o cigarro no cinzeiro ao lado. Olha para seu livro de cabeceira e abre em qualquer página, lê um poema e o fecha.

Seus glúteos
De glúten
São aglutinados
De glória
Já os meus
Graças a Deus
Têm em cada marca
Uma História

Ela repetiu em voz alto a palavra e se levantou, olhando-se de costas, observando seus próprios glúteos, dando apalpadas e vendo as pequenas marcas de história e sem glória. Repetiu a palavra "glúteos" enquanto procurava sua roupa de baixo, batucando os dedos no móvel, escolhendo uma roupa de baixo que lhe agradasse.

Olhou a janela, vendo o vento, mesmo sem vista e só sentido, tocar-lhe e lhe causar um temor. Abriu o armário e se sentou ao chão, acendeu outro cigarro e se apoiou nas pernas da cadeira, observando suas roupas sem saber o que escolher, com os peitos de fora e sem roupas no corpo além de uma pequena calcinha vermelha.

A cada tragada passava por uma peça, até parar seus olhos em uma e buscá-la. Vestiu-se vagarosamente, murmurando frases, com o cigarro dependurado nos lábios, abotoando a calça jeans e sua camisa, buscou um casaco e um cachecol.

Observou sua bolsa, derrubando cinzas nela e depois descansando o cigarro no cinzeiro. "Chave, carteira, celular, documento, caneta, bloco". Quando checou tudo três vezes, fechou a bolsa e se sentou na cama desarrumada para calçar os sapatos, depois de colocar um em seus pés frios, deu outra tragada e assobiou, depois calçou o outro e repetiu o ato.

Ajeitou seus cabelos para trás novamente e levantou-se, apagando o seu cigarro pelo caminho e caminhando pela casa em busca de café. O forte amargor novamente lhe acordou, café já morno, mas ainda bom. Voltou a checar as chaves na bolsa até resolver sair, batucou um samba na porta do elevador, esperando chegar. Olhou-se no espelho do elevador, lembrando-se tarde de mais de sua maquiagem e de seu perfume.

Cumprimentou o zelador e saiu.
Caminhou e acendeu outro cigarro.
Direcionou-se e esperou o ônibus.
Trabalhou e acendeu cigarros. Voltou para casa tirando sua calcinha e colocando uma camisa velha, jogando-se na cama para sonhar e acordar com o gosto de suas tragadas.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Avô

Nunca pensei que ia um dia postar isso aqui, sinceramente considero essa carta tão pessoal que me é difícil compartilhá-la. Mas algo hoje me disse que tenho que fazer isso, quero revelar o que sinto a todos, não importando se estas pessoas me conhecem ou me entendem. Quando escrevi essa carta, tinha acabado de completar 17 anos, o que basicamente nos dá 3 anos com ela guardada sem ser revelá-da. Minto, uma vez a mostrei, mas para meu melhor amigo e uma das poucas pessoas que confio totalmente meus sentimentos confusos.

Não vou dizer o que sempre digo, "espero que gostem", só digo: Espero que entendam.

Abraços.

___

Você se foi fisicamente há mais de 24 anos, o que é irônico, pois só tenho 17 e te sinto sempre, te sentia pelo menos. Lembro que desde criança costumava pedir a Deus, quando ainda era uma criança católica, por sua alma, estranhamente conseguia conversar com você, e acho que tirando hoje, nunca tinha revelado isso a ninguém, já pensou? Iam internar a pobre criança que pensa que conversa com os mortos, um falecido que nunca chegou a conhecer pessoalmente.

Pedia-lhe conselhos, quando precisava de um, lhe perguntava se tal coisa podia acontecer, discutia se tinha feito algo errado, se devia me arrepender, se devia voltar atrás, quando fazia algo errado e não queria assumir, sentava na sala olhando aquela foto em preto e branco sua, você mostrava uma cara brava para mim como se tivesse me dizendo que estava decepcionado, e eu assumia meus erros para voltar a olhar a foto e lhe ver sorrir, e você sempre sorria, escutava me dizer que tinha feito a coisa certa, mesmo que recebesse consequências pelos meus atos.

Quando cresci, sempre o sentia ao meu lado, mesmo que não rezasse mais, era aquele meu lado cético que aparecia sempre e me dizia que aquilo não podia acontecer. Sentia você quando precisava, imaginava seu calor, imaginava como teria sido fantástico poder lhe ver pessoalmente, como falaríamos sobre tudo e todos, como você me mostraria o mundo de outros olhos, poderia escutar seus conselhos vindo de sua boca, não de minha mente.

Depois de um tempo parei de lhe escutar, talvez esse foi o tempo que comecei a errar, errava em ações perante mim, meus amigos, minha família, perdi muita coisa que poderia ter evitado perder. Acho que essa é a fase que todo humano uma vez passa, quando esquece da fé e se junta a sociedade cética, se torna um homem não cruel, mas mais duro, tanto com ele próprio quanto para com os outros.

Quando recuperava minha fé, você voltou a aparecer pouco a pouco, não como antigamente, mas eu sabia que estava lá quando minha mente não aguentava mais e meu corpo desabava. Perdi o chão algumas vezes, mas acho que foi você que me fez olhar para frente e ver que meus problemas não eram tão grandes assim, aguentei muitas coisas, quase perdi o amor de nossas vidas, e tive que suportar isso sem a ajuda de ninguém, além de você, pois todos estavam como eu.

Você sabe como ela é importante para nós, você entende, ela é o que sustenta nossa família, e eu acho que se a perdesse, entraria num buraco que não sei se conseguiria sair. Você sabe que ela ora por você todas as noites, desde que você se foi? Eu achava lindo, como um amor pode ser eterno, mesmo depois da morte, queria saber se ela lhe sentia como eu lhe senti, mas acho que nunca tive coragem de perguntar, foi tão complicado contar aquele sonho.

Foi nesse sonho que pensei que lhe perdi para sempre, eu nunca entendi, mas criei algumas teorias. No sonho você conversava comigo e minha mãe, você falava que sempre olhou por ela e sempre estava lá ao seu lado, para mim você disse que sempre me conheceu, os detalhes são irrelevantes, tirando o Jesus Cristo encima de seu corpo e a Nossa Senhora que eu carregava no peito, o resto não importa muito.

Foi uma despedida, na hora foi linda, mas quando lembrei do sonho me perturbou profundamente. Você se despediu de mim, ou fui eu que lhe abandonei? Será que você agora está no corpo de uma criança em qualquer parte do universo, ou simplesmente não está mais do meu lado, pois alguma coisa aconteceu? Será que eu errei, ou eu não preciso mais de seus conselhos, agora estou por mim mesma? Eu nunca entendi...

Chorei tanto, queria lhe sentir e sentia somente um frio, queria lhe abraçar, mas não conseguia, queria lhe escutar, mas meu coração não respondia a meus chamados por você, eu queria ajuda, mas não a conseguia mais, eu só queria apoio, aquele que eu não sinto ao lado de ninguém, nunca senti, só sentia quando tinha você ao meu lado. O chão desapareceu de meus pés e agora eu tento me levantar, mas é tão complicado sem você.

Não sei se você está na minha mente agora enquanto eu escrevo isso, eu só sinto um aperto, que faz meu coração pular mais forte de desespero, que faz minha garganta engasgar, eu tento não começar a lacrimejar outra vez, quero concluir isso.

Queria somente dizer que lhe amo, sempre lhe amarei, não importa se você nunca mais se lembrará de mim, quando lembrar de sua vida anterior, eu não farei parte da lembrança, isso me magoa.

Quando chorava, meu telefone tocou, como se quisesse me fazer acordar de minha tristeza, dormi um pouco mais calma, mas não esqueci quando acordei. Espero que seja feliz, espero que tenha alguém como eu tive você para lhe guiar pela vida, as coisas se tornam bem mais fáceis quando se escuta o coração.

Te amo para sempre,
Sua neta que lhe conheceu provavelmente mais do que muitas pessoas em sua vida antiga.


quinta-feira, 3 de junho de 2010

A Vila

Ela retirou um dos quatro casacos que usava, ajeitou os cabelos finos para trás da orelha e se desculpou pelo mau jeito que a idade lhe trouxe. Ofereceu uma xícara de café adocicado e se sentou na cadeira da cozinha. Um breve sorriso, uma breve risada e um longo diálogo.

A Vila sem portões e sem cadeados, o piso de pedra com restos de terra e plantas pisadas. O banho frio e a louça suja lavada em uma grande bacia. Eram tantas línguas e sem desculpa de não entender. Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Alemanha.

Seu sotaque era português. E sua simpatia, Brasileira. Ela ofereceu um pedaço de bolo de maracujá para acompanhar o café e um licor para que tudo descesse bem. Tirou mais um casaco e comentou sobre o filho. Nos tempos de moço, um coroinha religioso. Na Vila costumava jogar futebol com o primo da amiga dela. Um velho espanhol reclamava dos barulhos e das bolas chutadas acidentalmente em sua porta.

Quando não havia televisão todos se juntavam para escutar "Varguinhas" no rádio, sem reclamar da Hora do Brasil. Quando havia televisão, todos trepavam no murinho para ver a antiga seleção brasileira jogando.

Humildes foram todos, sem geladeira e só com um fogão de lenha. A comida durava só dois dias, mas custava pouco e isso não era motivo para discórdia. A marmita custava um cruzeiro e era servida em uma tigela de metal funda, o que garantia o almoço e a janta.

A senhora umedeceu os lábios secos e sorriu suavemente, voltou a se levantar e mais uma vez se desculpou pela idade avançada. Contou sem tristezas que recentemente fez uma cirurgia nos olhos e por isso eles ficavam constantemente secos e com uma visão turva. Pegou em sua bolsa os colírios e se virou de costas para aplicá-los. Quando se virou ofereceu mais uma vez o cafezinho, talvez dessa vez com um pouco de leite morno.

A Vila só tinha um banheiro para 15 famílias, o jornal O Cruzeiro servia para limpar, porque para ler, não adiantava de nada, sendo que ninguém por lá sabia ler nem o próprio nome. As pequenas casas só ofereciam quarto e cozinha. Cozinha, como ela mesmo diz, praticamente só a mesa de jantar.

Agora a vida é mais fácil, a geladeira existe, o fogão não é mais a lenha e o banho é de água quente. Mas a graça acabou, a tranca precisa ser verificada todos os dias, porque ladrão não escolhe por dinheiro, e sim pela facilidade que pode ser o assalto. A violência é grande e o preço é maior. Ela pagava só 100 cruzeiros por mês, agora pagaria 300 reais, se ainda morasse na velha Vila.

Nem tem como, a Vila virou apartamento. Tudo um dia tem que se render ao capitalismo e com a vila não foi diferente. A realidade se desfez e virou cimento, mas o sonho continua em mente. As fotos continuam penduradas na parede e as histórias continuam nas línguas dos moradores da antiga Vila.

Desabafo

Eu queria ter a necessidade de me perdoar pelos erros que cometi. Se pelo menos os visse como erros. Queria lhe dizer que o que lhe disse era mentira e que o que senti era confusão. Mas a confusão se instalaria no mesmo momento que lhe dissesse essas palavras. Queria me perguntar por que te amei, mas a única dúvida que me vem é por que não te amei. Queria lhe dizer que você era doce e gentil. Mas quando descubro suas mentiras sem controle, o doce vira amargo e o gentil vira rude.

Queria me livrar de você, isso com certeza necessito fazer. Queria que você sumisse, que você virasse, realmente, poeira cósmica. Talvez que a nossa amizade nunca tivesse acontecido e que você nunca tivesse se apaixonado por mim do jeito que se apaixonou. Queria ter sido rude com você ter lhe dito desde o começo que eu não lhe queria e que essa paixão que vinha de você e parava em mim, sem retribuição, nunca teria uma continuação. Não queria ter lhe tratado bem, ter lhe ajudado ou ter lhe enganado com meus sentimentos atrapalhados.

Queria que nada disso acontecesse, que nada que digo que quero, realmente conseguisse. Queria, porém, que fossemos normais, que fossemos compreensivos com os erros um do outro, sem necessidade desse ódio e desse rancor mal ajustado que faz minha orelha esquerda queimar. Queria que você parasse de me olhar toda vez que passo por você, com seu olhar analítico, querendo saber o que estou fazendo de minha vida e o que faço no mesmo ambiente em que você se encontra.

Queria não ter mais medo de andar pela rua de mãos dadas a outro homem, pelo simples fato de poder te encontrar pelo caminho e magoar mais uma vez seus sentimentos, sendo que neles, supostamente, não me encontro mais. Queria que você me desse a permissão de vida, que me deixasse seguir meus caminhos, que me deixasse amar outros lábios, que me deixasse abraçar outros corpos, que me deixasse falar com outras bocas.

Queria que você entendesse de uma vez por todas que meu amor por você nunca aconteceu, que a paixão passa e que eu precisava respirar. Queria que você entendesse como você me sufocou, como você me algemou, como você me deixou fraca e perdida. Queria que você entendesse que você não era o que eu procurava e que eu precisava somente ficar sozinha.

Queria, finalmente, que você soubesse que meu relacionamento foi feito por um pedido, por saídas enciumadas, por você alcoolizado e por minha vontade de não querer mais vê-lo desse modo. Eu errei em algumas coisas, mas a principal foi ter feito isso para lhe agradar e pensar que com isso começaria a te amar.

Fui ingênua e por isso eu queria lhe pedir perdão, pelo resto não. Não houve mentiras, a não ser as suas, não ouve traições, a não ser as suas, não ouve paixão, a não ser a sua, não ouve amor, a não ser o seu.