quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O falso sequestrado

E é assim que acontece na vida. Você fumando um cigarro na porta de sua faculdade, pensando que está praticamente uma hora atrasada para a aula de Telejornalismo e de repente aparece alguém lhe pedindo ajuda. Imediatamente lhe passa pela cabeça que o indivíduo em questão só vai lhe pedir um cigarro, máximo um isqueiro emprestado. Afinal, é o que normalmente acontece quando você está com um cigarro em mãos.

Não, ele tem uma história. Uma história bem mal contada. Uma história que te faz ter vontade de rir, de fazer um “ahã” e sair de lá para não perder seu tempo. Itajubá deve ser uma cidade engraçada, porque esse indivíduo definitivamente não é normal. “Sou dono da Chanel”, é a primeira frase, “Estou fazendo uma franquia nova da Colcci em São Paulo”, é a segunda.

Como vivemos em um mundo preconceituoso, coisa que não conseguimos de modo algum fugir, a primeira coisa que você faz quando recebe uma resposta (se bem que não houve pergunta) dessas é olhar para a roupa dele. Casaco de moletom, jeans e um tênis que não me lembro a marca. Só com um isqueiro Bic nas mãos. Pescoço totalmente marcado por chupões, arranhão superficial no rosto e cabelo oleoso. Chanel? Colcci? Faz-me rir.

Você não pergunta nada, você só quer sair de lá e ir para sua aula, afinal uma hora de atraso já é muito mais do que o permitido e você nem sabe qual é o prédio que deve ir, o que dirá a classe.

Mas quem disse que para fazer alguém falar é preciso perguntar? Para ele isso não era nada, o que ele queria era falar. O indivíduo conta que foi seqüestrado, espancado, estuprado. Passou dois dias sem ver a luz, sem comer direito e sem nenhum contato com o mundo real. Você acreditaria nessa história se ele não tivesse sido “devolvido ao mundo real” em um bairro de classe média alta.

Não faz sentido. Você lê jornal todos os dias, segue noticiários, vive em sites com notícias. Lê todo santo dia sobre casos de seqüestro, mas nenhum deles diz que a pessoa foi libertada em um bairro de classe média, ou classe alta. A maioria é solto em estradas, ruas sem saída ou com pouco movimento.

Por curiosidade você pergunta sobre a marca no pescoço. “E esses chupões?”. Pergunta simples. Resposta absurda. “Meu gigolô. Pedi pra ele me dar chupões, mas não era pra ele me fazer um colar envolta do pescoço!”. Aquelas marcas têm cara de no máximo um dia, são vermelhas ainda, arroxeadas nas laterais, pretas no meio. Você conhece chupões, já teve que escapar de alguns, passar gelo, pente, pasta de dente e qualquer outra porcaria que alguém lhe garantisse que o chupão sairia.

Você finalmente cai na real, já passou meia hora e você ainda está falando com esse lunático que agora deu de lhe pedir dinheiro. Quer voltar pra Itajubá. E ai você se pergunta, se ele fosse tão rico, de acordo com ele o pai dele era o mais rico de Itajubá, como ainda não tinha ligado a cobrar de qualquer telefone público pedindo ajuda ao pai? “Meu pai viaja muito, não está no Brasil”. Então ligue pra qualquer outra pessoa! O que você está fazendo o dia inteiro na porta dessa universidade?

Amigo estuda aqui. E você se lembra que conhece esse tal amigo, conhece porque ele estuda na sua classe. “Ele é rico também”, e você não acredita mais uma vez. É mentira, você conhece o amigo.

Você se desculpa e diz que tem que ir embora, ele tenta mais uma vez conversar. Você foge, ele deixa. Depois te encontra novamente com a mesma história e 300 reais no bolso que surgiram do nada. Devia estar lá o tempo inteiro e ele só queria comprovar a história inventada, totalmente sem pé nem cabeça que te fez quase perder uma aula.

Um comentário:

Estevão de Almeida disse...

Essa é mais uma prova de que a maior obra de ficção é a própria realidade!
Cabe ao artista, ou no caso a jornalista, a função de de dar um corpo para essa realidade fantástica, alias adoro o seu "corpo", a estrutura impactante da narrativa, sem muito compromissos e nem meias palavras.
Não fica mais tanto tempo sem postar os seus contos.