quinta-feira, 3 de junho de 2010

A Vila

Ela retirou um dos quatro casacos que usava, ajeitou os cabelos finos para trás da orelha e se desculpou pelo mau jeito que a idade lhe trouxe. Ofereceu uma xícara de café adocicado e se sentou na cadeira da cozinha. Um breve sorriso, uma breve risada e um longo diálogo.

A Vila sem portões e sem cadeados, o piso de pedra com restos de terra e plantas pisadas. O banho frio e a louça suja lavada em uma grande bacia. Eram tantas línguas e sem desculpa de não entender. Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Alemanha.

Seu sotaque era português. E sua simpatia, Brasileira. Ela ofereceu um pedaço de bolo de maracujá para acompanhar o café e um licor para que tudo descesse bem. Tirou mais um casaco e comentou sobre o filho. Nos tempos de moço, um coroinha religioso. Na Vila costumava jogar futebol com o primo da amiga dela. Um velho espanhol reclamava dos barulhos e das bolas chutadas acidentalmente em sua porta.

Quando não havia televisão todos se juntavam para escutar "Varguinhas" no rádio, sem reclamar da Hora do Brasil. Quando havia televisão, todos trepavam no murinho para ver a antiga seleção brasileira jogando.

Humildes foram todos, sem geladeira e só com um fogão de lenha. A comida durava só dois dias, mas custava pouco e isso não era motivo para discórdia. A marmita custava um cruzeiro e era servida em uma tigela de metal funda, o que garantia o almoço e a janta.

A senhora umedeceu os lábios secos e sorriu suavemente, voltou a se levantar e mais uma vez se desculpou pela idade avançada. Contou sem tristezas que recentemente fez uma cirurgia nos olhos e por isso eles ficavam constantemente secos e com uma visão turva. Pegou em sua bolsa os colírios e se virou de costas para aplicá-los. Quando se virou ofereceu mais uma vez o cafezinho, talvez dessa vez com um pouco de leite morno.

A Vila só tinha um banheiro para 15 famílias, o jornal O Cruzeiro servia para limpar, porque para ler, não adiantava de nada, sendo que ninguém por lá sabia ler nem o próprio nome. As pequenas casas só ofereciam quarto e cozinha. Cozinha, como ela mesmo diz, praticamente só a mesa de jantar.

Agora a vida é mais fácil, a geladeira existe, o fogão não é mais a lenha e o banho é de água quente. Mas a graça acabou, a tranca precisa ser verificada todos os dias, porque ladrão não escolhe por dinheiro, e sim pela facilidade que pode ser o assalto. A violência é grande e o preço é maior. Ela pagava só 100 cruzeiros por mês, agora pagaria 300 reais, se ainda morasse na velha Vila.

Nem tem como, a Vila virou apartamento. Tudo um dia tem que se render ao capitalismo e com a vila não foi diferente. A realidade se desfez e virou cimento, mas o sonho continua em mente. As fotos continuam penduradas na parede e as histórias continuam nas línguas dos moradores da antiga Vila.

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