quinta-feira, 10 de junho de 2010

Avô

Nunca pensei que ia um dia postar isso aqui, sinceramente considero essa carta tão pessoal que me é difícil compartilhá-la. Mas algo hoje me disse que tenho que fazer isso, quero revelar o que sinto a todos, não importando se estas pessoas me conhecem ou me entendem. Quando escrevi essa carta, tinha acabado de completar 17 anos, o que basicamente nos dá 3 anos com ela guardada sem ser revelá-da. Minto, uma vez a mostrei, mas para meu melhor amigo e uma das poucas pessoas que confio totalmente meus sentimentos confusos.

Não vou dizer o que sempre digo, "espero que gostem", só digo: Espero que entendam.

Abraços.

___

Você se foi fisicamente há mais de 24 anos, o que é irônico, pois só tenho 17 e te sinto sempre, te sentia pelo menos. Lembro que desde criança costumava pedir a Deus, quando ainda era uma criança católica, por sua alma, estranhamente conseguia conversar com você, e acho que tirando hoje, nunca tinha revelado isso a ninguém, já pensou? Iam internar a pobre criança que pensa que conversa com os mortos, um falecido que nunca chegou a conhecer pessoalmente.

Pedia-lhe conselhos, quando precisava de um, lhe perguntava se tal coisa podia acontecer, discutia se tinha feito algo errado, se devia me arrepender, se devia voltar atrás, quando fazia algo errado e não queria assumir, sentava na sala olhando aquela foto em preto e branco sua, você mostrava uma cara brava para mim como se tivesse me dizendo que estava decepcionado, e eu assumia meus erros para voltar a olhar a foto e lhe ver sorrir, e você sempre sorria, escutava me dizer que tinha feito a coisa certa, mesmo que recebesse consequências pelos meus atos.

Quando cresci, sempre o sentia ao meu lado, mesmo que não rezasse mais, era aquele meu lado cético que aparecia sempre e me dizia que aquilo não podia acontecer. Sentia você quando precisava, imaginava seu calor, imaginava como teria sido fantástico poder lhe ver pessoalmente, como falaríamos sobre tudo e todos, como você me mostraria o mundo de outros olhos, poderia escutar seus conselhos vindo de sua boca, não de minha mente.

Depois de um tempo parei de lhe escutar, talvez esse foi o tempo que comecei a errar, errava em ações perante mim, meus amigos, minha família, perdi muita coisa que poderia ter evitado perder. Acho que essa é a fase que todo humano uma vez passa, quando esquece da fé e se junta a sociedade cética, se torna um homem não cruel, mas mais duro, tanto com ele próprio quanto para com os outros.

Quando recuperava minha fé, você voltou a aparecer pouco a pouco, não como antigamente, mas eu sabia que estava lá quando minha mente não aguentava mais e meu corpo desabava. Perdi o chão algumas vezes, mas acho que foi você que me fez olhar para frente e ver que meus problemas não eram tão grandes assim, aguentei muitas coisas, quase perdi o amor de nossas vidas, e tive que suportar isso sem a ajuda de ninguém, além de você, pois todos estavam como eu.

Você sabe como ela é importante para nós, você entende, ela é o que sustenta nossa família, e eu acho que se a perdesse, entraria num buraco que não sei se conseguiria sair. Você sabe que ela ora por você todas as noites, desde que você se foi? Eu achava lindo, como um amor pode ser eterno, mesmo depois da morte, queria saber se ela lhe sentia como eu lhe senti, mas acho que nunca tive coragem de perguntar, foi tão complicado contar aquele sonho.

Foi nesse sonho que pensei que lhe perdi para sempre, eu nunca entendi, mas criei algumas teorias. No sonho você conversava comigo e minha mãe, você falava que sempre olhou por ela e sempre estava lá ao seu lado, para mim você disse que sempre me conheceu, os detalhes são irrelevantes, tirando o Jesus Cristo encima de seu corpo e a Nossa Senhora que eu carregava no peito, o resto não importa muito.

Foi uma despedida, na hora foi linda, mas quando lembrei do sonho me perturbou profundamente. Você se despediu de mim, ou fui eu que lhe abandonei? Será que você agora está no corpo de uma criança em qualquer parte do universo, ou simplesmente não está mais do meu lado, pois alguma coisa aconteceu? Será que eu errei, ou eu não preciso mais de seus conselhos, agora estou por mim mesma? Eu nunca entendi...

Chorei tanto, queria lhe sentir e sentia somente um frio, queria lhe abraçar, mas não conseguia, queria lhe escutar, mas meu coração não respondia a meus chamados por você, eu queria ajuda, mas não a conseguia mais, eu só queria apoio, aquele que eu não sinto ao lado de ninguém, nunca senti, só sentia quando tinha você ao meu lado. O chão desapareceu de meus pés e agora eu tento me levantar, mas é tão complicado sem você.

Não sei se você está na minha mente agora enquanto eu escrevo isso, eu só sinto um aperto, que faz meu coração pular mais forte de desespero, que faz minha garganta engasgar, eu tento não começar a lacrimejar outra vez, quero concluir isso.

Queria somente dizer que lhe amo, sempre lhe amarei, não importa se você nunca mais se lembrará de mim, quando lembrar de sua vida anterior, eu não farei parte da lembrança, isso me magoa.

Quando chorava, meu telefone tocou, como se quisesse me fazer acordar de minha tristeza, dormi um pouco mais calma, mas não esqueci quando acordei. Espero que seja feliz, espero que tenha alguém como eu tive você para lhe guiar pela vida, as coisas se tornam bem mais fáceis quando se escuta o coração.

Te amo para sempre,
Sua neta que lhe conheceu provavelmente mais do que muitas pessoas em sua vida antiga.


Nenhum comentário: