quinta-feira, 24 de julho de 2008

Ele (Pai)

Olha que coisa interessante, eu estou conseguindo postar antes que o mês acabe! Espero que não seja o último do mês, porque odeio rotina! Pois então, estamos cada vez mais próximos daquela data capitalista um pouco mais tranquila que o dia das mães... O dia dos pais!

Não digo que foi por isso que escrevi tal text0, principalmente porque seria uma ofença ao meu pai, que é um ótimo pai, no entanto vem bem a calhar ao meu estilho negativista das coisas!

Espero que gostem!

Beijos e abraços,

Da autora.

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-- Ele (Pai) --

Eu era somente um objeto na sua vida, entende? Era como se eu estivesse lá com a mesma função que o seu relógio de pulso dourado, era belo, reluzia, chamava atenção, mas sua única utilidade era ver as horas e isso ele pouco fazia, sempre havia alguém para lhe dizer as horas caso fosse preciso.

Quando novo me importava profundamente com esses fatos, de me sentir totalmente desnecessário em sua vida, às vezes eu tinha certeza que aquilo era somente obra de minha mente infantil, pelo menos era isso que os criados me diziam quando eu questionava seu amor por mim, mas quanto mais eu crescia, eu reparava que isso não era somente obra de minha imaginação e coração carente.

Ao longo dos anos aprendi a fazer tudo sozinho, quer dizer, a me amar sozinho, pois o resto ele me oferecia milhões de criados a me ajudar a fazer, o que deveria fazer a vida de qualquer criança mais feliz. Eu me lembro quando eu era pequeno, bem pequeno mesmo, devia ter por entre meus 4 anos de idade, nessa idade o costume das pessoas é de não lembrar absolutamente nada, mas eu me lembrava.

Eu me lembrava que era curioso, como qualquer outra criança pequena, eu queria desvendar o mundo e já estudava na escolinha que ele decidira ser melhor para mim, na realidade eu sempre desconfiei que o que ele dizia ser melhor para mim era para ser mais cômodo para ele.

Eu voltava para casa, ansioso para lhe contar as novidades, tudo que eu havia aprendido naqueles primeiros momentos de escola, porém ele sempre se trancava naquele escritório, eu conseguia ter inveja do próprio escritório... Eu tinha inveja da poltrona que ele se sentava, inveja dos livros que ele tocava e lia, inveja do cigarro que ele fumava, eu preferia ser esses objetos, pelo menos assim eu lhe seria útil, lhe traria algum conforto e prazer.

Eu tinha o costume de me divertir sozinho, eu brincava sempre sozinho. À noite, antes de ir me deitar, eu batia com minhas mãos pequeninas na porta do escritório de meu pai, ele me respondia rapidamente, mandando-me entrar e logo me obrigando a falar o que era de tão importante para que eu estivesse o importunando enquanto ele tomava sua dose de whisky. Eu olhava para baixo tímido e temendo uma bronca, pedia-lhe para que me contasse uma história antes de ir me deitar, ele me olhava com o rosto vermelho de raiva.

Eu escutava histórias de meus colegas da escola, sobre como os pais deles os contavam histórias de guerreiros antes de irem dormir, eu sempre imaginei como seria isso, mas desisti de insistir nessa vontade quando vi seus olhos raivosos e seu rosto vermelho me encarando, disse-me que se não saísse de lá rapidamente, a única história que eu escutaria era como o cinto cantava em contato com as minhas nádegas.

Eu saí correndo rapidamente, subi as escadas para o meu quarto e me tranquei lá, chorei por alguns minutos até adormecer, sonhei com o dia que ele me contaria uma história, sonhei com o dia que sairíamos para andar de bicicleta e ele me mostraria todas as coisas legais que uma criança gostaria de ver.

No outro dia eu acordei decidido a nunca mais cogitar a idéia de lhe pedir algo, comecei a seguir minha vida sem ter a necessidade de lhe pedir afeto, pois dizem que o que nunca se teve, não há como sentir falta, eu preferia nunca tê-lo se as coisas sempre seriam a sim, afinal não queria sentir falta de algo que parecia ser tão bom e necessário.

Eu me tornei uma criança um pouco solitária, mas isso não me importava, eu me focava em coisas que me levariam para frente e para longe daquele lugar, longe daquele frio todo que tinha ao lado dele, eu lia bastante, era ótimo em cálculos e amava qualquer coisa que envolvesse biologia.

Tornei-me o melhor em tudo que resolvia fazer, afinal era a única coisa que podia me focar com paixão, os estudos se tornaram a minha única saída. Infelizmente a minha capacidade sempre havia um motivo, e esse não era o meu esforço próprio, era como se ele me amaldiçoasse!

Como se eu não pudesse ter a capacidade própria de crescer, de ser alguém sem a ajuda dele, porque sua importância na sociedade era grande, ele era um homem importante, por isso tudo que eu conseguia crescer sempre teria a sua face estampada, como se eu só conseguisse aquilo porque era seu filho.

Filho, eu acho totalmente desnecessária essa palavra, pois sua utilidade em minha vida, como pode ver, fora nula. Eu não era seu filho, era somente um investimento a longo prazo. Eu me imaginava criando uma família, teve tempos que eu desejei isso para mim, mas aí pensei melhor.

Eu pensei que minha criação sem afeto e sem amor iria influenciar a criação que daria a minha família. Eu nasci sem afeto, eu nasci sem amor, eu cresci sem saber o que significavam essas palavras, o único jeito que os conhecia era pela literatura, aquelas histórias felizes de famílias felizes que eu nunca compreendi, por isso deixei de lê-los.

Se tivesse filhos, eles sofreriam as mesmas coisas que eu sofri, se tivesse mulher provavelmente a trataria como um objeto sem valor, como ele fez com a minha mãe antes dela vir a falecer (no mesmo dia que eu nasci). Eu não ia querer amaldiçoar essas pessoas com o meu próprio sofrimento, tem coisas que foram feitas para serem sentidas solitariamente, eu me manteria assim.

Você pode pensar que ter uma vida desse modo é insuportável, que não há modos de viver sem amor, eu concordaria com você se não estivesse aqui... Mas eu estou, eu não sei exatamente o que é um verdadeiro sorriso, muito menos o que é me apegar as pessoas, mas vejo isso. Eu vejo o amor que os outros dão aos seus queridos, vejo o carinho e a atenção, eu percebi que isso é o suficiente para que eu me sentisse bem, às vezes invejoso, mas na maioria das vezes bem.

Eu fico feliz ao ver que há pessoas que podem sentir, amar e ser amadas, dar e receber carinho e atenção. Eu agradeço por elas, porque elas não tiveram essa nevoa, esse frio que eu tive com a minha vida, talvez seja isso, somente isso, que torna minha vida um pouco mais suportável.

Eu mal sei se meu pai (eu realmente evito essa palavra) chegou a sentir o que ele me privou durante minha vida toda, não sei se ele amava minha mãe, se chegou a um dia amá-la e é por isso que me tratou de tal modo, que me criou sem me criar, que deixou eu me criar, como um castigo por ter tirado a vida daquela mulher, como se eu realmente tivesse alguma culpa nessa situação.

Não sei se ele sempre fora assim e foi uma decisão dela morrer, desistir de viver ao lado de alguém tão congelado, deixando uma criança sob seus cuidados, talvez para ver se ele criava algum sentimento ao pequeno ser que agora estava sob os seus cuidados, ou por ser egoísta e querer deixar outro para sofrer com aquela falta de sentimentos.

Quando ele morreu, eu me senti mal. Não mal por que ele tinha morrido, mas mal porque eu não havia lamentado sua morte, porque não havia derramado uma única gota de lágrima sob seu corpo frio, morto. Porque para mim ele sempre esteve morto, sempre esteve frio. Eu não sentia nada e me culpava por isso, porque nos livros e em outras vidas, um pai sempre é um pai.

Mas eu disse que não o considerava um pai, ele mal me permitia chamá-lo de tal modo, ele era alguém, mas nunca um pai.

4 comentários:

Guilherme Torrezani disse...

Mto foda seu texto Jul...

Grande pra kct...+ foda...huahuahuahua

Teh segunda...Bjoo

Anônimo disse...

Uma forma HIPER diferente de dar parabéns para o seu pai.
hahaha

Jeff Alves disse...

Caraca... Mto bem escrito os seus textos adorei todos...

huahuahua

Vou sempre passar aki...

bju

Anônimo disse...

Olá Jul!!!

Desculpe-me a invasão e peço licença para deixar-lhe um comentário.
Apreciei muitíssimo seu blog e não poderia deixar de parabenizá-la por seus contos. Sem dúvida que o comentário a seguir não será "Nada Além de Palavras"..rs..pois,meus sentimentos é de uma leitora que "participa" dos fatos que estão sendo narrados,"vive" o que os personagens estão vivendo e "vê" o cenário como se este estivesse diante de si.
E quanto a introdução que você faz a cada início de um novo post,acredito que não seria depressivo, angustiante ou quantos mais outros "adjetivos".
Penso que você explora seus textos com grande riqueza de detalhes, algo que percorre as "veias" de todas as pessoas,mas que algumas praticam com mais,menos intensidade que as outras ou afirmam que jamais praticariam. Um círculo de atuação que nos foi delegado; é o problema da sublimação.
Difícil de ser sentido.
Difícil de ser assumido.
Difícil de ser escrito com tamanha sensibilidade.
Concluindo...narrar é o ato de contar a vida. E contar a vida faz parte da própria natureza humana. Sendo a vida "vivida" ou não. Ou simplesmente a vida que observamos de longe..distante,longe da nossa "redoma", mas não do nosso olhar.
Meus parabéns!!!
Aproveito então para compartilhar algo que fiz inspirada em "Uma vida de vícios" que você citou:

Uma vida de vícios

Vício de amar
Vício de não amar
Vício de errar
Vício de acertar
Vício de persistir
Vício de desistir
Vício de acreditar
Ou de nem se tentar
Vício de sorrir e falar
Vício de se calar
Vício de abraçar e beijar
Vício de nem se importar
Vício de detalhes
Ou de simplicidade
Vício de sonhar
Vício de realizar
Vício de olhar atentamente
Ou simplesmente olhar.
Vício de fechar os olhos
Vício de chorar sem lágrimas
Ou de "encher" um balde com elas
Vício de interagir
Ou de se isolar
Vício de gritar...falar bem alto
Vício de sussurar
Vício de escandalizar
Vício de meditar
Vício de acordar
Ou dormir
Vício de viver
Viver por si só...é um vício
Vício dos vícios...uma vida de vícios.
E, querer deixar de tê-los...
também é um vício.

Parabéns pelo blog!!!(novamente)rs
Um abraço!