segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Estação

Nossos olhos se cruzaram somente duas vezes. A primeira quando o observei descendo as escadas da estação, a caminho daquele trem movimentado, a segunda quando ele me observou saindo deste mesmo trem a caminho de minha casa.

Sentei-me em um dos bancos da estação e peguei um livro de minha bolsa, teria que esperar o tempo passar até que o relógio marcasse seis horas da tarde. Eu não o esperava ali, não esperava que ele descesse no mesmo momento e se sentasse ao meu lado. O olhei brevemente, agora pela terceira vez e vi sua aliança no anelar esquerdo.

Talvez fosse somente um anel, tentei me convencer. De fato não era, estava ali sozinha com alguém que esperava sua esposa. Imaginei-me nesta situação, olhei para minha mão esquerda visualizando um anel dourado em meu dedo anelar. Fiquei a observar minha mão por minutos sem saber o motivo exato para tal.

Eu já estava me aproximando dos trinta anos e nada tinha encontrado. Meus poucos romances terminaram em tragédias shakespearianas, o que fez minha ideia de amor se transformar, pouco a pouco, em puro platonismo, algo que eu jamais alcançaria e que, talvez, devesse simplesmente me contentar com um relacionamento que me proporcionasse estabilidade e compreensão de ambos os lados. Se isso se mostrasse mais fácil de adquirir, provavelmente não estaria por trás de minhas pastas de trabalho, esperando o carro de minha empresa me buscar nesta estação.

Quando simplesmente parei de contemplar minha mão nua, voltei a olhá-lo e minha mente começou a criar pequenas fantasias. Como deveria ser a sua mulher? Era loira, morena, ruiva? Talvez fosse alta porque definitivamente ele era um homem alto, mas talvez por esse mesmo motivo ela fosse baixa, porque é fato que muitas pessoas altas procuram em seus parceiros este oposto. Talvez fosse uma dona de casa, daquelas com um avental sempre envolta de sua cintura e um sorriso familiar estampado no rosto. Talvez fosse uma mulher de negócios, assim como eu.

Quando ele chegava cansado em casa, ela lhe buscava com um copo de uísque, exatamente de sua preferência, com um charuto e um beijo adocicado, informando-lhe que em breve servirá o jantar. As crianças, provavelmente três, sairiam correndo atrapalhadas, esbarrando em tudo e rindo deliciosamente para abraçar as pernas do pai. A mais nova lhe pediria colo e no momento que ele se sentasse em sua poltrona, os outros dois sentariam em suas coxas e lhe pediriam para que lhes contassem histórias sobre a vida adulta.

Ou então ele não tivesse filhos. Sua mulher o buscava do trabalho todos os dias, afinal ela era a dona daquele carro, eles mal se falavam quando estavam a caminho de casa, entravam e pediam comida tailandesa pelo telefone. Ele se banhava enquanto conta as histórias do trabalho que não agradam a sua mulher que simplesmente age entediada com todo o monólogo que, para ele, parecia empolgante.

Quando notei, ele agora me observava intrigado. Não era de se estranhar, afinal eu estava o encarando durante tanto tempo que provavelmente ele pensasse que havia algo errado por ali. Abaixei imediatamente minha cabeça e desviei meus olhos para o chão. Tentei voltar a ler, mas as linhas pareciam se misturar, minha concentração não estava mais ali. Estava perdida em minha imaginação. Eu creio que provavelmente estava tentando imaginar como seria minha própria vida caso fosse casada, o que me tornava ainda mais excêntrica do que provavelmente era. Quando voltei a levantar minha cabeça, pronta para me desculpar por esse momento totalmente rude e deselegante de minha parte, não o encontrei mais.

Dentro de minha mente perdi o sentido de vida real, estava tanto em minha imaginações e fantasias que devo ter perdido o momento que ele avistou o carro que iria buscá-lo. Olhei para frente e me surpreendi. Lá estava o carro que ia buscá-lo, mas não era sua mulher que estava dirigindo, era simplesmente um motorista qualquer, assim como o que provavelmente iria me buscar.

Fechei meu livro, era inútil tentar retornar aquela leitura, olhei para o relógio em meu pulso, ainda teria mais trinta minutos para esperar. Trinta minutos dentro de minha mente, ou devo dizer dentro da mente do próximo que se juntar a mim neste banco? Não sei ao certo, mas penso que tenho tempo para decifrar este pequeno enigma.

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