quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Efêmero e o Perene

A máquina de escrever estava parada, o verde que a cobria se transformara em preto e cinza pelo pó que se espalhava pelas teclas e suas partes de plástico. A tinta já estava seca e as fotografias jogadas encima da escrivaninha mal habitada. O livro completo tinha sido esquecido, guardado em uma pasta azul grossa, com sua antiga caneta tinteiro ainda aberta pelas anotações e rabiscos de páginas.

Ele estava a sete palmos, longe de sua mulher que estava a outros sete palmos em outro cemitério distante de lá. A biblioteca lotada de livros de filosofia, matemática, arte e política comunista, não existia mais e os livros foram doados e jogados fora, somente alguns foram guardados. Toda uma vida fora desperdiçada e esquecida. Lembrada em seu aniversário de vida ou de morte.

O piano que durante décadas fora tocado diariamente, havia sido vendido. A família não queria guardar recordações, ou achavam que o dinheiro que sessenta anos de inteligência podiam oferecer era muito mais importante que descobrir como essa inteligência fora adquirida.

O tempo havia passado, a morte já estava ao seu lado por quase quinze anos. As lembranças de uma vida se tornara, mais uma vez, efêmeras. Esquecidas em fotografias, esquecidas em outras vidas efêmeras. E talvez a necessidade de buscar conhecimento não fosse tão importante quanto se mostra ser, pois esse conhecimento será esquecido em livros guardados dentro de pastas azuis e anotações feitas por canecas tinteiro velhas.

Há uma tentativa eterna de transformar lembranças para que as façam serem presentes em mentes futuras. Procriação não é somente um modo de manter seu sangue, é principalmente um modo de manter seu passado vivo, seu orgulho intacto, imaginar que seus livros escritos, árvores plantadas e fotografias tiradas não se tornem mais parte de uma vida passageira.

Mas, por infelicidade do destino, não se pode contar que suas procriações realmente desejem manter sua existência presente e viva, talvez eles simplesmente o queiram a sete palmos abaixo da terra, ou transformado em pó que será jogado em plantas, rios, lagos ou somente guardados encima de uma lareira.

Você se torna descartável, se torna uma lembrança distante ou uma curiosidade juvenil de sua neta, esta que sobe encima de uma cadeira bamba para alcançar agora a caixa de sua máquina de escrever verde musgo. Esta que abre a pasta azul e encontra seu livro intocado, procura seus poucos livros guardados por sua nora que lhe quis presente e não a sete palmos. Sua neta busca notícias suas, busca sorrisos em fotografias velhas, busca seus artigos filosóficos, teorias shakespearianas, seus motivos comunistas.

O que mais lhe espanta, dentro de sua vida efêmera, é que uma garota que mal lhe conheceu antes dos sete palmos, procurasse com tanto desejo em transformar sua vida em algo perene. Talvez ela espere que sua própria vida não tenha o destino que a sua lhe trouxe. Talvez pelos seus atos ela consiga fazer que suas procriações a torne também em eterna. Ou então ela simplesmente possui uma curiosidade peculiar sobre sua vida e suas intelectualidades perdidas.

Nenhum comentário: