sexta-feira, 9 de maio de 2008

Rito ao Blues

Ele tocava o blues como um denomino nos pianos. Podia sentir o calor de suas mãos, indo em voltando, batendo firme naquelas teclas já amareladas. O cigarro dependurado nos lábios, mal tragado pela falta de tempo com o ritmo frenético da música, o suor pingava de sua testa a cada girada de corpo que ele dava.
Os óculos escuros se tornaram referência para os amantes do blues, enquanto as pessoas observavam-no sentadas de frente a mesas de madeira, com uma vela ao centro uma flor vermelha murcha ao lado. Todos calados, todos apreciando, todos sentindo, todos em seus próprios mundos enquanto ao som de Blues os levavam para seu mundo paralelo.
A fumaça de tabaco, misturado com a fumaça das velas, cobriam o ambiente escuro, o barman limpava seus copos recém-lavados, com um pano usado e já utilizado todos os dias sem ser limpo, observava o homem tocando, mas sua visão não estava lá, mas sim em sua mulher, aquela que estava em casa, com bobs na cabeça, esperando ansiosa para o afeto de seu marido, que usava suspensórios cinza, combinando com sua calça de algodão e uma blusa branca já comida pelas traças. Uma boina preta tendia para o lado, mostrando seus cabelos negros com pequenas mechas brancas/acinzentadas.
O homem tocando, não pensava nada, não viajava em seu mundo paralelo, não pensava em sua mulher, principalmente porque não a tinha, não pensava nos copos sujos que depois ia tomar sua dose de whisky diária, não pensava nos bobs, não pensava na filosofia, não entendia a filosofia. A única coisa que lhe passava pela mente, era notas invisíveis, teclas de piano, seus olhos fechados, seus lábios cantando freneticamente, ele mal sabia o que cantava, porém cantava. Ele deixava a música o levar, deixava o Blues lhe dominar, ele encarnava cada um dos seus professores de vida, ignorava o mundo que esquecera o gosto da música de subúrbio.
Mal imaginava que um dia seria reconhecido por sua música, a intenção era se apaixonar, era fazer amor a música, a música era o sexo perfeito, os movimentos, os momentos altos, os momentos calmos, o fim podia ser curto, o fim podia ser longo, mas havia fim, não necessariamente eterno. Logo no outro dia, ele voltava a fazer amor a sua música.
“Com aquele que você ama, você faz romance, para todos os momentos você esperava dançar, sentindo a música da cabeça aos pés”, ele cantava, ele entrava em um êxtase eterno, em um gozo fanático, em um ritmo eloquente, em sua vida sinfônica.
As pessoas não entendiam o amor ágape entre ele e sua música, as pessoas escutavam e usavam aquele som fantástico para criar, ele criava a criação alheia, mas não tinha consciência disso, ele criava amor, ele criava filosofia, ele criava ódio, ele criava a mente, no piano ele era Deus e em sua voz, ele impunha seus mandamentos.
“A música estava morta”, a música é eterna, a música se modifica, retorna ao seu ponto auge, encontra amores, a música tem vários amantes, a música é poligâmica, e sem criticas a respeito disso, seus amantes não são ciumentos, e ela dá a atenção necessária para todos, sem exceção, eles usufruem de seu poder, de seu amor, de seu gozo, até que estejam satisfeitos, mas nunca estão, são ninfomaníacos musicais.
Aquele homem tocando freneticamente seu piano era um ninfomaníaco musical, um esquizofrênico, um amante... Eu, por minha vez, usufruía de seu poder, era um rito ao sexo musical.


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